segunda-feira, 5 de junho de 2017

[RESENHA] "Mulher-Maravilha" (2017)


Todo mundo sabe da situação em que o Universo DC estava no cinema. Já falei sobre isso aqui e aqui. A atmosfera de incertezas que pairava sobre os longas compartilhados dos personagens da editora das lendas após um lançamento divisor de opiniões e dois fracassos retumbantes de crítica, ainda que tenham feito uma bilheteria considerável, colocaram a Warner Bros. em uma posição delicada, precisando de uma reposta que reconquistasse os especialistas e eliminasse as dúvidas dos fãs.

Então, em um movimento quase que idêntico ao que a DC fez nos quadrinhos há um ano, com a iniciativa Universo DC Renascimento, veio Mulher-Maravilha, um filme que, em termos de roteiro, decidiu por jogar seguro, não arriscar muito e evitar pretensões baratas de "desconstrução" de personagens nas telas, apresentando o básico, o essencial e o necessário, ao mesmo tempo que consegue se conectar ao que foi apresentado anteriormente. E, em tonalidade, afasta-se de todo o sombrio e realista visto até então, dando uma guinada ao otimismo necessário para fazer esse Universo Estendido funcionar como deve.

O que é apresentado na tela é uma história de origem que bebe diretamente da fonte das mais aclamadas HQs: tem um pouco da liberdade sexual da versão original de William Moulton Marston, muitos elementos das clássicas histórias de George Pérez, a Diana guerreira de Brian Azzarello, e até mesmo a embaixadora da paz e símbolo de amor e mudanças escrito por Greg Rucka na recente Ano Um. Todos esses elementos misturados e colocados na hostilidade e sujeira da Primeira Guerra Mundial resultam em uma trama única que condiz com a personagem apresentada em Batman vs Superman: A Origem da Justiça.


É notável também o quão acertada é a caracterização dos personagens. Antes um dos principais problemas do Universo Estendido DC, aqui chega a ser venerável a retratação de cada um dos participantes da trama: a Mulher-Maravilha é decidida, com suas próprias noções de liberdade e igualdade, não hesita na hora de defender o que acha correto e inspira todos ao seu redor, por sua graciosidade, coragem e senso de justiça. Steve Trevor, por outro lado, é o homem fruto de seu tempo, ainda que progressista só pelo fato de ter o mínimo de fé em Diana, e o espião ardiloso, o estrategista da guerra já acostumado com aquele ambiente. O contraste entre os dois dá sustância ao filme, algo que só é possível graças ao carisma de Chris Pine e, principalmente, Gal Gadot, que mais uma vez é uma presença de destaque sempre que está em cena.

Vale também a menção ao elenco de apoio, muito diversificado em questões étnicas, sejam as Amazonas ou os aliados de Trevor, e que trazem à tona questões importantes de forma pontual. Sejam através de cenas cômicas como aquelas em que Etta Candy aparece ou quando Sameer diz a Diana por que ele está na guerra, sempre há uma crítica sendo feita sobre a desigualdade de gênero e o racismo, de modo natural e não panfletário. E é de se vibrar na poltrona do cinema em todas as cenas de batalha das residentes de Themyscira, especialmente as protagonizadas pela Antíope de Robin Wright.

Tratando-se da trama, o modo em que o arco de desenvolvimento da protagonista se dá é algo único. Acompanhar a saída da Mulher-Maravilha da Ilha Paraíso e sua chegada ao mundo dos homens faz do espectador um cúmplice de sua jornada, sentindo na pele as injustiças da humanidade e os horrores que a guerra proporciona, desde a visão dos doentes, famintos e mutilados à perda daqueles que nos eram mais próximos. A forma como Patty Jenkins retratou tudo isso é impactante, dolorido e condizente com a realidade, escancarando, tanto para a personagem principal quanto para o público, que não há beleza em conflitos dessa proporção.

Falando da diretora, muito do que se destaca no longa é devido a ela. Enquanto o roteiro apostou no básico, os aspectos visuais foram na direção oposta, ousando com belas cenas de fotografia aberta, contraste de cores entre o que se passa em Themyscira e no mundo dos homens, e ação sendo mostrada de forma ampla e realista. O trabalho de Jenkins com o elenco também foi exemplar, tendo extraído o melhor de cada um dos atores para que suas representações e as relações entre seus personagens fossem o mais natural e empático possível.



Apesar de tudo dito até agora, Mulher-Maravilha não é perfeito. Pessoalmente, achei que poderiam ter arriscado um pouco mais nas críticas sociais, mas talvez seja o filme que idealizei em minha cabeça falando mais alto. O fato é que o longa apresenta algumas leves inconsistências em seu ritmo, derrapadas que o fariam desandar se durassem um pouco mais. Nada no nível de Batman vs Superman ou Esquadrão Suicida, porém, sendo uma aula de coesão se comparado a esses dois. E, embora tenha gostado dos vilões (especialmente em uma cena de risada maléfica que beirou a série do Batman de tão caricata), a Dra. Poison poderia ter sido melhor desenvolvida e aproveitada, ainda que seu impacto na história seja grande.

Mas mesmo com tantos destaques, o maior deles vai para o desfecho do filme. Diana se consolida como tudo o que a Mulher-Maravilha representa através da mensagem de esperança transmitida ao público, que chuta para longe qualquer receio de que o longa pudesse terminar de modo depressivo após o mostrado em BvS. Esse encerramento em tom otimista, além de inspirador para o espectador, era mais que necessário para se afastar do resto do Universo Estendido DC e cravar a mudança de rumo tão necessária para o que vem pela frente. E também é digno citar que, apesar das referências necessárias para demonstrar a integração nesse universo, o filme se encerra sem ganchos ou cenas pós-créditos preparadoras de terreno, podendo ser visto de forma independente, o que é ótimo.

Respondendo à indagação que fiz no texto sobre a importância e a responsabilidade de Mulher-Maravilha: sim, eu estava certo. O longa cumpriu seu papel e colocou a DC de volta nos trilhos, sendo uma jornada divertida e densa ao mesmo tempo, repleta de ação, belos visuais e muito carisma por parte de seus protagonistas. Mais do que isso, porém, ele fez com que mulheres se sentissem representadas, abriu em grande estilo as portas para que mais filmes de heroínas sejam feitos em um futuro próximo (Capitã Marvel e Batgirl estão logo aí) e honrou todo o legado da Princesa das Amazonas. Isso, por si só, já é uma vitória.

TRAILER: