quarta-feira, 30 de agosto de 2017

[RESENHA] Mister Miracle #1 (2017)


Darkseid is.

O que dizer dessa que é provavelmente a melhor edição #1 do ano?

Como parte da comemoração do centenário de Jack Kirby, a DC decidiu realizar várias homenagens através de edições únicas ou minisséries, concedendo a diversos escritores e artistas a chance de brincar com algumas das principais criações do Rei. A dupla Tom King e Mitch Gerads, conhecida pela autoral e semibiográfica Xerife da Babilônia e por recorrentes colaborações na mensal do Batman, ficou responsável por Mister Miracle, título dividido em 12 partes e que sacudiu a indústria, a crítica especializada e os fãs com o lançamento de seu primeiro capítulo no último 9 de agosto.

Darkseid is.

O roteirista Tom King, grande estrela da indústria no momento, tornou-se conhecido por sua abordagem de temas humanos e atuais quando se tratando de personagens tão fantásticos. Aqui não é diferente: de maneira visceral e até agressiva, o escritor retrata um dos principais problemas crônicos do mundo moderno: a depressão. É possível sentir toda a angústia, o desconforto, a sensação de incapacidade do protagonista diante de tudo o que ele vive, ao mesmo tempo que aqueles ao seu redor não sabem como lidar com a situação. Também é possível dizer que são mostrados o abandono parental e a rejeição familiar, ainda que em menor escala, mas que torna-se explícito nos momentos em que Orion e o Pai Celestial entram em cena.

King também é conhecido por saber combinar esse enfoque a roteiros intrigantes com narrativas fluidas, e mais uma vez não decepciona. A história pré-estabelecida por essa primeira edição é concisa e já repleta de eventos importantes, trazendo um enredo inteligentemente construído e que planta dúvidas no leitor. Afinal, o que está acontecendo com o Senhor Milagre? O que é verdade no que ele está vivendo? Aliás, está ele vivendo? Estaria ele finalmente preso em uma armadilha à prova de escapes? São esses os grandes alicerces a serem desenvolvidos para os 11 números restantes.

Darkseid is.

A arte de Gerads só colabora com a construção da revista, graças a seu diferente estilo que flerta com o caricato, o experimental e o realista, sabendo portar-se tanto de forma viva e grandiosa quanto fria e intimista sempre que necessário. Sua retratação dos personagens, que chuta para longe exageros anatômicos e dá a eles formas mais humanas, é fundamental para aproximar ainda mais o leitor da naturalidade com que o roteiro trata de seus principais temas. E convenhamos: um tom mais super-heroico simplesmente não se encaixaria com a proposta. Vale ainda o destaque para o capista Nick Derrington, que faz do gibi uma belíssima experiência visual antes mesmo de ele ser aberto.

A melhor (talvez até a principal) das homenagens a Jack Kirby, Mister Miracle consegue com sua edição #1 algo que o grande criador sempre procurou fazer com seus personagens: refletir o estado da humanidade no momento. Esse início, de roteiro inteligente e arte mais do que adequada, estabeleceu a base para uma história de grande potencial, e com um Rei escrevendo outro Rei (sacou? Ha!), é seguro dizer que o futuro dessa minissérie tem tudo para ser brilhante.


Confira abaixo quatro página de Mister Miracle #1:




segunda-feira, 28 de agosto de 2017

GÊNIOS DA NONA ARTE - #1: Jack Kirby


Bem-vindos ao meu mais novo projeto: o GÊNIOS DA NONA ARTE! Nessa coluna sem periodicidade definida, pretendo falar sobre alguns dos grandes nomes da história dos quadrinhos e seus trabalhos, mas deixando de lado o tom biográfico e mostrando o porquê de sua importância, bem como o que mais me agrada. E, além de roteiristas e desenhistas, também comentarei sobre arte-finalistas, coloristas e até mesmo editores! Dando início a esse trabalho, o homenageado da vez é Jack Kirby, lenda absoluta da indústria que completaria 100 anos na data de hoje.

Muitos foram os criadores que estiveram por trás das HQs desde seus primórdios. Enquanto uns passaram despercebidos, outros vieram, inventaram seus próprios personagens, estabeleceram seus conceitos, contaram suas histórias, deixaram suas marcas, independente da posição que ocupavam. Alguns receberam maior destaque que outros, é verdade, por terem criados propriedades que são relevantes até hoje, desenvolvido tramas que mudaram paradigmas, revolucionado a forma de fazer arte, seja através de traços ultrarrealistas, cinematográficos ou até mesmo intimistas. Mas a lista é enorme, e mesmo hoje segue crescendo.

Acima de todos eles, porém, há Jack Kirby, uma das mentes mais prolíficas de todo o século XX, que concebeu universos de cabo a rabo, trouxe a vida personagens que foram do fantástico ao milagroso, revirou o mundo dos quadrinhos com ideias além do comum, foi da Terra ao espaço e teve sucesso em todas as suas expedições. Seja sozinho ou ao lado de seus mais frequentes colaboradores, foi um dos homens que mais contribuiu para a cultura pop desde a década de 1940, com suas criações tomando conta não apenas dos quadrinhos, mas se espalhando por toda a mídia e ganhando forma na TV, em livros e, principalmente, no cinema.

Kirby, ao lado de Joe Simon, cocriou o Capitão América em 1941, e é o autor da icônica capa da edição #1 da revista, em que o herói dá um soco na cara de Adolf Hitler. Isso, por si só, já seria o suficiente para colocar seu nome entre os maiores do ramo. Mas essa não foi a única colaboração da dupla, que perdurou por anos a fio e ainda rendeu frutos como o Caçador, a Legião Jovem, os Boys Commandos, revitalizou o recém-criado Sandman e ainda se aventurou com histórias voltadas a jovens adultos durante os anos 1950, quando os gibis super-heroicos perderam a popularidade devido ao pós-Guerra.

A lendária capa da edição #1 de "Capitão América", por Joe Simon e Jack Kirby.

Mas foi ao lado de Stan Lee que Jack Kirby desenvolveu seus maiores sucessos. O lançamento de Quarteto Fantástico em 1961 deu o pontapé inicial ao que hoje conhecemos como Universo Marvel e sendo o catalisador para o nascimento de personagens como Thor, Hulk, Homem de Ferro, Homem-Formiga, os X-Men, os Inumanos, Pantera Negra, Surfista Prateado, Galactus, Doutor Destino, Magneto, entre vários outros (e muita gente pode não saber, mas Kirby, embora não creditado, foi fundamental para a criação do Homem-Aranha). A proposta de criar heróis mais próximos da realidade e que pudessem representar o maior número de indivíduos teve impacto imediato na indústria, e o artista, embora não receba todo o reconhecimento que mereça, foi muito responsável por isso tudo, tendo cuidado da identidade visual dos gibis e concebido muitos dos conceitos fundamentais de suas criações, algo que fica claro se refletirmos sobre a maneira que se dava o famigerado Marvel Way.

Após um desentendimento com Lee, justamente por não lhe darem os devidos créditos e exposição como artista envolvido, Jack Kirby deixou a Marvel e passou a ser parte da DC em 1970, onde ele desenvolveu aquele que muitos consideram seu maior trabalho: O Quarto Mundo, tomando como base a mitologia judaico-cristã ao lado da fantasia e da crença de vida inteligente alienígena e criando o universo que permeou as revistas dos Novos Deuses, Senhor Milagre, O Povo da Eternidade e Jimmy Olsen, com histórias protagonizadas por Orion, Pai Celestial, Darkseid, Metron, os próprios Senhor Milagre e Povo do Amanhã, Grande Barda, Oberon, Vovó Bondade, Forrageador, entre outros personagens muito ricos e repletos de ideias interessantes. Também idealizou OMAC, Kamandi e o Demônio Etrigan, de modo que todos esses personagens permeiam até hoje os quadrinhos da editora, prova de que sua passagem, além de prolífica, mudou alguns rumos dentro da casa de Superman, Batman e Mulher-Maravilha.

Desentendimentos também foram parte de seu tempo na Editora das Lendas, e em 1975 acabou retornando para a Marvel (após algumas concessões de Stan Lee), criando Os Eternos, sucessores espirituais do Quarto Mundo, título no qual criou o conceito dos Celestiais, fundamental para o Universo Cósmico da Casa das Ideias. Deu vida ainda a personagens como o Homem-Máquina, colaborou com Lee uma última vez em uma história do Surfista Prateado tida como a primeira Graphic Novel da editora e, ainda insatisfeito com o tratamento que vinha recebendo, foi trabalhar com projetos para a televisão e publicou quadrinhos por outros selos, desenvolvendo mais suas ideias cósmicas com o passar dos anos.

Jack Kirby faleceu em 1994, aos 76 anos, por insuficiência cardíaca. Mas o legado deixado por ele é inestimável, não apenas por suas colaborações, seus personagens e suas histórias, mas também por seu estilo e sua criatividade, incomparáveis dentro do meio. Sua arte rica, dinâmica e detalhada, aliada às cores fortes e até mesmo psicodélicas usadas, foram um marco à época e até hoje servem como inspiração para os mais variados artistas, estejam eles inseridos na indústria ou não. E simplesmente não há como não ficar maravilhado com seu trabalho. Como exemplo, basta observar a imagem abaixo, uma splash-page tirada de Os Eternos:


Ou então esta belíssima arte do Surfista Prateado:


Ler uma história escrita ou que teve a colaboração de Jack Kirby também segue sendo uma experiência mágica. Aventuras recheadas de emoção e bombardeadas de ideias e conceitos a cada página fazem com que seu trabalho continue como referência aos fãs e roteiristas. Edições de Quarteto Fantástico, Novos Deuses ou Senhor Milagre continuam tendo o mesmo valor que tinham na época de suas publicações, graças à criatividade indomável do gênio por trás delas. Um dos relatos que mais gosto a respeito da imaginação de Kirby foi publicado nas edições #1 de seus trabalhos para a DC, escrito por Marv Wolfman sobre o dia que ele e Len Wein foram se encontrar com "O Rei" para discutir sobre um personagem criado por eles e, ao fim do encontro, ele já sabia mais sobre esse herói do que a própria dupla de criadores:


E não são poucos aqueles dentro da indústria que se declaram admiradores de Jack Kirby. Na verdade, é difícil achar alguém que não seja, tanto por seus admiráveis trabalhos quanto por sua personalidade, descrita como adorável por aqueles que tiveram a chance de conhecê-lo. Inúmeras foram as homenagens feitas a ele ao longo dos anos, mas a minha favorita está em Quarteto Fantástico #511, por Mark Waid e Mike Wieringo (para situar: Reed Richards foi tocado em seu rosto pelo Doutor Destino enquanto este usava magia, o Coisa estava morto e os demais integrantes do Quarteto foram atrás dele, mas para voltarem à Terra teriam que se encontrar com "Deus"):







É difícil resumir a importância de Jack Kirby em tão poucas palavras. Mais difícil ainda passar a dimensão completa da qualidade de seus trabalhos. Mas uma vastidão de ideias e conceitos como os que ele desenvolveu em mais de 50 anos de carreira dedicados aos quadrinhos e outras mídias beiram o impossível de serem explorados de forma detalhada em um simples texto como este. O fato é que suas criações resistiram ao teste do tempo, seguiram relevantes durante as décadas e hoje estão mais em voga do que nunca, sendo os pilares dos universos da Marvel e da DC, tanto nos quadrinhos quanto nos filmes, séries, animações e demais meios. E dessa forma, através de todo seu legado, Kirby ainda vive, no imaginário popular e no coração dos fãs e admiradores.

Feliz centenário, Jack "The King" Kirby, onde quer que esteja.

Jack Kirby posa com a esquete original do Senhor Milagre, por volta de 1970. Segundo as histórias, Scott Free e Grande Barda eram os apelidos dele e de sua esposa, de modo que os personagens, também casados nas tramas do Quarto Mundo, eram os avatares super-heroicos do casal.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

[RESENHA] The Wild Storm #6 - "Chapter Six" (2017)


Em primeiro lugar, um pedido de desculpas: essa edição foi lançada em julho. Sim, além de ter passado a informação errada na última postagem, eu acabei demorando um mês para escrever sobre esse gibi, que me pegou de assalto ao sair antes do que o esperado. Dito isso, foi uma das mais gratas surpresas que The Wild Storm poderia me proporcionar, sendo este sexto capítulo o melhor número desde o eletrizante (em todos os sentidos) #3, e provavelmente de toda a publicação até o momento.

A trama teve alguns avanços fundamentais para seus principais jogadores até o momento, seja pela descoberta da verdadeira natureza de Jacob Marlowe e seu time de WildC.A.T.s pela Engenheira, pela escolha violenta de Henry Bendix ao posicionar no confronto contra as agências rivais, ou pela frenética sequência de ação protagonizada por Michael Cray na abertura da revista, orquestrada por Warren Ellis e Jon Davis-Hunt como poucas equipes criativas conseguem hoje em dia, dando mais um importante passo em direção à HQ solo do personagem, anunciada oficialmente e que será uma minissérie em 12 edições, tendo início em outubro desse ano.

Com 6 edições até o momento, The Wild Storm apresentou seus personagens fundamentais, conceitos e intrigas em uma trama cadenciada e meticulosamente desenvolvida, que caminha cada vez mais em direção a um conflito de proporções globais. Mais gente ainda deve se envolver nessa complexa história em números futuros (como já está prevista a aparição de Jackie King, versão dessa realidade de Jackson King, importante membro da velha StormWatch), mas por enquanto já é o suficiente para fazer desta uma das publicações mais interessantes do ano.

Confira as cinco páginas iniciais de The Wild Storm #6:





segunda-feira, 21 de agosto de 2017

"Os Defensores", ou como a Marvel perdeu a mão com suas séries


Após cerca de 4 anos de planejamento e 5 temporadas distribuídas entre 4 séries solo, chegou à Netflix Os Defensores, a mais nova empreitada da Marvel no serviço de streaming que reúne os personagens Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage e Punho de Ferro, bem como a maior parte de seus elencos de apoio, para enfrentar a grande ameaça do Tentáculo, encabeçada por Alexandra, personagem de Sigourney Weaver tida como uma das principais novidades do programa. A proposta de juntar esse grupo de heróis urbanos, de temática mais adulta, parecia promissora, especialmente com o envolvimento de um talentoso elenco e uma produção experiente. Mas o resultado passou longe de atingir seu completo potencial.

O que é possível conferir nesse primeiro ano é um produto inconsistente, iniciado por um episódio fraco, desnecessário e sem identidade, e que passeia por uma verdadeira montanha-russa em sua sequência, variando entre bons momentos e outros mal desenvolvidos ou apenas ridículos. São frequentes as cenas em que fica clara a química entre os personagens, mas resoluções como "vamos descobrir isso aqui porque sim!" ou "vamos reunir todos esses coadjuvantes nessa salinha para que eles possam interagir entre si" também são constantes, muitas vezes dentro de um mesmo capítulo. Mesmo a escrita dos protagonistas passa por oscilações, mudando suas formas de pensar e agir apenas para dar andamento à trama. A exceção se aplica a Danny Rand, que se comporta como um babaca petulante e imbecil na maior parte do tempo, com falas escritas que parecem escritas por uma criança de 5 anos. Quem diz que ele é "o Punho de Ferro mais burro que já existiu" durante a série tem total razão (e não é só uma vez).

As cenas de ação geralmente são as partes mais divertidas dos capítulos, mas mesmo elas deixam a desejar um pouco: além de não conseguirem sempre manter o nível, afastaram-se muito da crueza e naturalidade que haviam se tornado marca registrada de Demolidor e Jessica Jones, sendo claramente coreografadas e cheia de piruetas, apesar de ainda terem seus momentos. O ponto mais alto das lutas está no episódio final, mas mesmo ali ainda falta alguma coisa, algum tipo de combinação entre os personagens (no melhor estilo dos "combos" mostrados nos filmes dos Vingadores), além dos problemas já citados.

Falando no desfecho de Defensores, ele traz um encerramento satisfatório para o show, finalizando o arco do Tentáculo de forma decente. Só que, ao mesmo tempo, seus minutos finais deixam uma coisa bem clara: tudo isso não passou de uma forma de fazer ligação para as novas temporadas das séries solo dos personagens (o final do Demolidor, em especial, deixa a casa arrumada para uma adaptação de A Queda de Murdock). Fica escancarado ao fim dos 8 episódios também o quão desperdiçada foi a presença de Sigourney Weaver, atriz marcada na história do cinema pelos longas de Alien e que foi escaladas para interpretar uma personagem com zero carisma, zero ameaça e zero impacto na trama, estando ali apenas porque a organização precisava de uma "líder" (coisa que ela está longe de ser).

Problemas em séries da Marvel na Netflix não são recentes, porém. Seus dois lançamentos anteriores, Luke Cage e Punho de Ferro, foram alvos de críticas à época, o primeiro pela lentidão em seu andamento e sua indecisão temática, enquanto o segundo foi execrado por seu fraco roteiro, trama clichê, más atuações e péssima direção, especialmente para as cenas de ação (alguns deles acabaram sendo transmitidos para Defensores). Mesmo Jessica Jones e Demolidor (especialmente em sua 2ª temporada) não passaram incólumes, mas nada que possa ser comparado com os seriados irmãos.

Não dá para entender o porquê disso estar acontecendo, especialmente se pensarmos que o início de tudo foi o brilhante primeiro ano de Demolidor, que nos presenteou com personagens carismáticos, cenas memoráveis e um dos melhores vilões de todo o universo Marvel. Algo se perdeu no caminho: talvez o rumo, o orçamento, a motivação de criar conteúdo de qualidade ou apenas a sanidade (ou o que restava dela) de Jeph Loeb e Ike Perlmutter, mas o fato é que as séries da editora estão cada vez mais distantes do que era esperado, e Os Defensores se tornou a mais nova vítima dessa onda. Só resta torcer para que Justiceiro e as vindouras temporadas dos shows já existentes corrijam esse triste rumo trilhado pelos personagens da Casa das Ideias na Netflix.

Provavelmente a melhor coisa de "Os Defensores" foi esse belíssimo pôster feito pelo Joe Quesada.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

"Game of Thrones" - Ganhe com o espetáculo ou morra com as falhas


Seja você fã ou não, é impossível não reconhecer a importância de Game of Thrones para a cultura pop atual: um fenômeno mundial, a série se tornou um grande evento que mobiliza milhões de pessoas ao redor do mundo e as coloca na frente da televisão às 22h (ou seja lá qual o horário de transmissão nos demais países do mundo). Cada episódio virou um espetáculo, oferecendo os melhores efeitos especiais que o mundo televisivo já viu, equilibrando uma complicada trama política com criativos elementos fantásticos, e sendo sedutora para um amplo público, seja aquele seu primo adolescente chato, seu amigo nerd hardcore ou a sua mãe (ou até mesmo a sua avó).

Mas há algo de errado com ela.

Desde o início, o programa se destacava por seu primoroso roteiro, a riqueza nos detalhes e a construção de seus personagens. Muito de seu sucesso se deve a isso: sem a brilhante trama, os diálogos arrebatadores e todas as reviravoltas que só este complicado jogo dos tronos foi capaz de nos oferecer, jamais teria sido possível angariar tamanha audiência, por melhor que fosse a computação gráfica ou por mais carismáticos que fossem os personagens. A adaptação dos livros para a TV funcionou muito bem e, mesmo após ultrapassar o ponto em que George R. R. Martin parou sua escrita, o show continuou seguindo o caminho do sucesso, tendo elevado seu próprio nível com a excelente 6ª temporada. Alguns leves deslizes aconteceram, como o treinamento de Arya Stark com os Homens Sem Rosto ou alguns episódios do início da 5ª temporada, especialmente no que diz respeito a Dorne e as Serpentes de Areia. Nada, porém, que comprometesse a qualidade geral.

A atual temporada, 7ª, vem vivendo de uma constante bipolaridade, porém. Ela nos ofereceu até agora alguns momentos memoráveis, é verdade, mas também vem mostrando algumas inconsistências, uma falta de substância e até mesmo diálogos abaixo da média. Para cada monólogo de Olenna Tyrell, há uma incoerente conversa entre Daenerys e Jon Snow sobre os Outros serem um mito ou não (sendo que ela sobrevive ao fogo e tem três dragões, que até pouco tempo eram considerados extintos). Para cada ataque à tropas Lannister como em The Spoils of War, há um Euron Greyjoy saindo ileso após ser ferido por uma das Serpentes de Areia, conhecidas por usarem veneno na lâminas de suas armas. E para cada vez que personagens se teleportam para os pontos mais extremos do mapa de Westeros, há uma Arya demorando cerca de três episódios para percorrer um caminho entre lugares bem mais próximos entre si.

Erros de principiante vem sendo cometidos com as amarras cronológicas ou espaciais. Nem mesmo os grandes momentos escapam ilesos: Como Cersei pediu apenas 15 dias para arrumar a casa para o banqueiro de Westeros? Só de tempo de viagem até os locais já se passaria boa parte disso. Por que Daenerys queimou todos os suprimentos do exército Lannister, sendo que Jon Snow disse pouco tempo antes que todo o estoque de comida seria necessário durante a guerra contra os Outros (e, nesse caso, seria muito mais inteligente da parte dela tomá-los para si)? E Olenna disse que os soldados Tyrell nunca foram grandes lutadores, mas não foram eles quem salvaram a pele de Tyrion e Joffrey nos eventos de Blackwater? Fora a insistência de Daenerys em solicitar que Jon Snow se ajoelhasse a ela, algo irritante e que até mesmo vai contra ao crescimento que a personagem teve nas temporadas anteriores.

Não me entenda mal: eu adoro a série, assisto-a desde a primeira temporada e vi um dos melhores programas da história da televisão sendo construído. Mas é por isso mesmo que acho a crítica válida: não dá para ignorar os pontos mais fortes de tudo o que foi feito durante mais de 6 anos e deixar a qualidade cair justo na reta final. Talvez seja a falta dos livros de George R. R. Martin como base (muito embora ele seja consultor dos roteiristas) ou a necessidade de encerrar o show até o episódio 6 da 8ª temporada (decisão tomada pela própria HBO e que vem se mostrando cada vez menos acertada), mas o fato é que as coisas estão tornando-se mais aceleradas, menos desenvolvidas e se alinhando para um fim pela pura necessidade de ele acontecer. Temos que ser honestos e encarar o que está diante de nossos olhos: Game of Thrones não é mais a mesma.

O espetáculo continua lá, porém, e nisso a série continua incomparável: efeitos especiais cada vez melhores e mais realistas, batalhas de proporções épicas, situações de urgência envolvendo os personagens favoritos do público, a aguardada confirmação de teorias dos fãs e todo seu retrospecto ainda fazem de Game of Thrones um dos melhores e mais divertidos entretenimentos de toda a TV na atualidade. Mas será que só isso é o suficiente? Essa é uma questão que apenas o espectador pode achar a resposta para si.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

A Mulher-Maravilha do "Universo DC: Renascimento" é o ponto de partida perfeito para qualquer leitor

A arte matadora de Nicola Scott e Romulo Fajardo Jr. em "Mulher-Maravilha" #12.

"Algo está ocorrendo... Em minha memória... A história se altera constantemente". São com essas exatas palavras que se inicia o one-shot Mulher-Maravilha: Renascimento, que serviu como base para todas as histórias da mais recente fase da principal super-heroína dos quadrinhos. Como é possível observar, a Princesa de Themyscira está confusa, um reflexo das inúmeras reformulações que a personagem sofreu nos últimos anos. Diana não sabe mais exatamente quem é, não consegue mais se comunicar com os deuses e também não encontra o caminho para seu lar. Ela, mais do que nunca, precisa de ajuda.

E houve quem estivesse disposto a ajudá-la: o premiado escritor Greg Rucka, auxiliado pelos artistas Liam Sharp, Nicola Scott e Bilquis Evely, com as cores de Laura Martin e Romulo Fajardo Jr., assumiu a missão de resgatar a Amazona, relembrando o mundo de suas raízes e redefinindo a personagem de uma maneira moderna, trazendo de volta seus principais conceitos em uma roupagem adequada e condizente com o mundo em que vivemos. Tudo isso envolvido em uma inteligente e complexa trama, e acompanhado de estonteantes traços. O resultado final, como não poderia deixar de ser, é uma obra-prima de narrativa e arte, consolidando esta como uma das melhores e mais consistentes fases da história da personagem.

Parte da iniciativa Universo DC: Renascimento, Rucka se aproveitou do formato quinzenal do relançamento do título para intercalar seus roteiros, com as edições de numeração ímpar fazendo parte de arcos se passando no presente, enquanto as de número par integram arcos que exploram o passado da heroína, indo desde sua repaginada origem até acontecimentos que antecedem por pouco o que vem ocorrendo na história irmã. Essa diferença também permitiu a variação das equipes artísticas: enquanto Liam Sharp e Laura Martin cuidaram das revistas ímpares, Nicola Scott e posteriormente Bilquis Evely, sempre acompanhadas de Romulo Fajardo Jr., ficaram encarregadas dos desenhos e das cores das pares.

Essa passagem, que se encerrou no último 28/06, ao todo contou com quatro desses arcos: As Mentiras, Ano Um, A Verdade e Godwatch. Pequenos fragmentos de uma trama que, no fim, conectou todos os seus eventos e mostrou-se algo muito maior. Muito de seu êxito se deve pela escrita inteligente do roteirista, que soube fazer uso de suas histórias intercaladas e desenvolveu seus mistérios de forma coerente, aproximando passado do futuro e abusando do conceito de ação e reação, demonstrando que nenhum dos eventos que vinham se desenvolvendo eram a toa. Isso permite com que a narrativa funcione das mais variadas formas possíveis, seja na ordem de lançamento das edições, na numeração dos encadernados ou até mesmo na sequência cronológica estabelecida para os acontecimentos.

A capa de "Mulher-Maravilha" #16, que iniciou "Godwatch", por Bilquis Evely e Romulo Fajardo Jr.

Vivendo essas aventuras estão alguns dos mais famosos personagens que compõem a mitologia da Princesa Amazona. Além da personagem-título, retornam Steve Trevor, Etta Candy, Barbara Ann Minerva/Mulher-Leopardo, e também outros antagonistas como Ares, Phobos e Deimos, Doutora Veneno e Doutora Cyber. Rucka também aproveita para resgatar algumas de suas criações para a DC, como Ferdinand, Veronica Cale (que surgiram em sua primeira passagem pela revista, entre 2003 e 2006) e Sasha Bourdeaux (que teve origem em seu tempo escrevendo Detective Comics). Todos eles receberam novas roupagens, mais adequadas para a atualidade e que servem aos propósitos da história. Nenhum deles é mero coadjuvante, porém, de modo que possuem suas próprias personalidades, múltiplas facetas e bem desenvolvidas motivações para seus papéis, sendo tão protagonistas de toda essa história quanto a própria Diana.

Isso não significa, porém, que ela tenha sido jogada para escanteio. Não, a Mulher-Maravilha ainda é a grande estrela de sua própria HQ, em uma de suas representações mais humanas, bondosas e inspiradoras. A personagem retornou às suas origens de uma forma revitalizada e condizente com a modernidade, sendo a embaixadora da paz e do amor no mundo dos homens, mas atualizando alguns de seus principais temas (ela agora é bissexual, por exemplo, e a revista trata sua vida amorosa de forma bem natural). A filha de Hippolyta também recebe diferentes tratamentos conforme o tempo da história: em Ano Um e Godwatch, ela é mostrada de forma muito ingênua e jovial, ainda pouco conhecendo das mazelas de nossa sociedade, enquanto em As Mentiras e A Verdade a vemos vem mais confiante e endurecida pelos anos, mas sem perder seu inerente brilho.

Apesar de grande parte do mérito do quadrinho estar em sua escrita, é injusto deixar de citar a arte como uma das grandes razões de seu sucesso. As equipes artísticas que aqui trabalharam são provavelmente as melhores e mais talentosas de todo o Universo DC: Renascimento, com traços fora de série que criaram algumas das mais belas páginas e capas da história da Princesa Amazona. E cada um dos desenhistas possui suas particularidades: Nicola Scott soube criar desenhos vibrantes e repletos de movimento e vida, justamente o que a origem de Diana precisava; Liam Sharp fez alguns dos painéis mais criativos e detalhados do título, sendo incomparável ao trabalhar com ambientes; e a brasileira Bilquis Evely trouxe uma bem vinda serenidade para a história, com uma pegada suave e bela, ao mesmo tempo que muito distinta, e que caiu como uma luva para a narrativa de Godwatch.

A união de todos esses esforços culminou na edição #25, Perfeito, que amarrou todos os quatro arcos da publicação e concluiu a trama de forma honesta, bonita e que deixou o terreno preparado para quem viesse a seguir. A sutileza de Rucka ao finalizar sua passagem é exemplar, não deixando pontas soltas e dando um desfecho digno para os personagens, especialmente para Diana e Steve Trevor, após tudo o que eles passaram nas 24 edições anteriores. Vale a pena também conferir a edição anual, que conta, entre outras, a história do primeiro encontro entre a Trindade da DC, com alguns momentos impagáveis do Batman (por mais incrível que isso pareça).

Quem cuida atualmente da HQ é Shea Fontana com arte de Mirka Andolfo, e em breve os consagrados James Robinson e Carlo Pagulayan assumirão o título. Mas independente do que vier pela frente, essas 25 edições iniciais são indispensáveis para qualquer um que pretenda ler Mulher-Maravilha, sejam leitores veteranos ou iniciantes que querem conhecer mais sobre a personagem. A passagem de Greg Rucka e seu time artístico rendeu não apenas uma das melhores histórias de todo o Universo DC: Renascimento, mas um verdadeiro clássico moderno, que servirá de referência para todos os futuros envolvidos com o quadrinho, tal qual foi a fase de George Pérez. E dado que sua qualidade e a admiração dos fãs perduram até hoje, maior elogio não pode existir.

A capa de "Mulher-Maravilha" #1, por Liam Sharp e Laura Martin.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

[RESENHA] "Planeta dos Macacos - A Guerra" (2017)


Em uma era em que reboots, remakes, blockbusters genéricos e filmes de super-heróis dominam as produções de Hollywood, temos o caso de Planeta dos Macacos, franquia quase quinquagenária que já se mostrava desgastada, mas que ganhou um novo sopro de vida quando resolveram abordar aquela mitologia por uma ótica, mostrando o início de tudo com Planeta dos Macacos - A Origem em 2011. Três anos depois, o diretor Matt Reeves elevou a saga de César e sua civilização de macacos a um novo patamar em Planeta dos Macacos - O Confronto, abordando temas como discursos de ódio e medo em meio de cenas de ação catárticas, com direito a primatas em cima de cavalos e portando metralhadoras, abrindo portas para um desfecho no mínimo memorável para a trilogia.

Com essa responsabilidade, chegou aos cinemas Planeta dos Macacos - A Guerra, novamente comandado por Reeves, fechando a jornada de César e pavimentando o caminho até o clássico de 1968. Mas, embora tenha A Guerra em seu título, o filme vai muito além do conflito entre macacos e humanos, sendo uma história de vingança, intolerância, sobrevivência, a perda da bondade e o sacrifício por algo maior. Isso tudo, claro, sem deixar de lado símios com armas de fogo, explosões e visuais embasbacantes, em uma execução primorosa que balanceia o artístico com o comercial como pouco visto antes.

O trajeto do personagem principal nesse capítulo final é tortuoso, sofrido e repleto de difíceis escolhas, especialmente quando se deixa consumir por ódio tamanho que o faz ser atormentado em boa parte do tempo pelo fantasma de Koba, macaco que se mostrou ser a personificação do mal no longa anterior. Mesmo acompanhado e aconselhado por seus amigos Maurice, Luca e Rocket, que acabam encontrando o divertido Bad Ape e uma garota humana pelo caminho, suas decisões, motivadas por seus sentimentos e que beiram o egoísmo, acabam colocando o grupo de primatas sob sua proteção em perigo, por mais que, em teoria, tenham sido tomadas para protegê-los. Torna ainda mais dura essa caminhada a trilha sonora de Michael Giacchino, densa, pesada, como cada consequência das atitudes do líder.

A bem construída trama tem seu ápice nos diálogos, por mais inusitado que isso pareça. Mas são nesses momentos que humanos e macacos brilham, mostrando que, apesar das claras diferenças, eles são muito mais parecidos do que podem imaginar. Andy Serkis e Woody Harrelson são um destaque a parte, com ambos sendo a força motriz do filme, transmitindo raiva e loucura a cada vez que entram em tela, especialmente quando contracenam juntos, gerando algumas das mais memoráveis cenas de toda a trilogia. Seus personagens interagem através de uma interessante dinâmica, que mistura ódio e respeito mútuo, fazendo do confronto algo além da mera sobrevivência e tornando-o pessoal, por mais que o Coronel insista em dizer o contrário.

Apesar do foco voltado para os macacos, no fim o longa diz muito sobre nós como espécie, por nossa insistência em conflitos, nossa intolerância e nossa falta de união mesmo nos momentos mais difíceis: se continuarmos assim, vamos (e talvez até mereçamos) ser todos extintos. E é isso, junto a outras questões tão humanas, mesmo se tratando de animais, que faz com que Planeta dos Macacos - A Guerra seja tão especial, um encerramento em alto nível de uma das melhores trilogias que agraciou o cinema nos últimos anos.

TRAILER:

terça-feira, 1 de agosto de 2017

BALANÇO MUSICAL - Julho de 2017


Olá! Seja bem-vindo ao meu projeto Balanço Musical, uma coluna mensal na qual falo sobre música, o que escutei no mês que se passou, o porquê das escolhas, o que me influenciou nesses dias, e publico uma playlist com uma faixa referente a cada dia do período. O objetivo não é nada além de escrever um pouco mais sobre música no blog, apresentar algumas coisas diferentes e dar às pessoas a oportunidade de conhecer novos artistas e canções. As postagens são publicadas sempre no primeiro dia útil de cada mês, o que pode ou não coincidir com o dia 1º.

Se há uma palavra para definir julho quando o assunto é música, essa sem dúvida é "desequilibrado". Por um lado, nesse mês, segundo o last.fm, eu bati meu recorde de faixas ouvidas em um dia (94 em 02/07). Por outro, no entanto, não foram poucos os dias em que não escutei quase nada, com quatro deles sem uma canção executada sequer. É engraçado (e cruel) como a vida pode te ocupar ao ponto de simplesmente te impedir de fazer uma das coisas que mais gosta, com as obrigações cotidianas tomando seu tempo por completo com uma série de tarefas com as quais você não tem o menor apreço, ou simplesmente não se importa.

Essa inconsistência não me impediu de fazer interessantes descobertas, porém. Alguns bons álbuns lançados nesse ano chegaram aos meus ouvidos, como o excelente Hydrograd do Stone Sour, o alternativo In Spades do Afghan Wighs (que apareceu no primeiro Balanço Musical com um de seus mais clássicos registros), os dançantes Everything Now do Arcade Fire e After Laughter do Paramore, e o sempre certeiro Mr. Big fechando o mês com seu novo disco Defying Gravity. Vale o destaque também para o ótimo Metal Resistance do Babymetal, o mais recente das garotas japonesas que abalaram as estruturas do Metal tradicional, e McCartney II, um dos CDs mais mal-compreendidos do lendário Paul McCartney, repleto de experimentações para a época e recheado de pérolas como Coming Up e Temporary Secretary.

Mas não há muito mais a se acrescentar. O resto do mês foi pautado pela audição de algumas marcantes trilhas sonoras, como a do excelente Em Ritmo de Fuga e a de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, assim como a dos dois Trainspotting, que tive a coragem de finalmente assistir. Também foi o momento em que ouvi diversas playlists, seja algumas das minhas antigas ou outras feitas por usuários do Spotify, em sua maioria dedicadas a músicas da década de 1980 (e também uma exclusivamente sobre Depeche Mode). Então, embora este não tenha sido meu período mais dedicado, não dá para negar que houve uma boa variedade.

Confira a playlist de julho de 2017: