E após mais de um ano e meio, a tão aguardada terceira temporada chegou à Netflix no último 4 de julho (para coincidir com o Dia da Independência nos EUA), quebrou trocentos recordes de audiência da plataforma de streaming, trouxe ex-assinantes de volta. Todo mundo já deve ter visto, dado risada nos momentos divertidos, se emocionado nos momentos comoventes e agora já está espalhando seus memes nas redes sociais enquanto teoriza o que deve vir no futuro. Acima de tudo, todo mundo parece ter gostado do que viu.
Mas não eu. Para falar a verdade, poucas das minhas experiências com cultura pop em geral foram tão frustrantes quanto este Stranger Things 3.
Para já tirar isso da minha frente e para não me taxarem de
hater imediatamente, quero falar primeiro sobre o que eu
GOSTEI. Sim, vejam vocês, dá para enxergar positivos em algo que não se gosta (uma virtude que parece ter sido esquecida nesta era de oitos ou oitentas). Primeiro de tudo, preciso destacar o quão bom é esse clima de terror mais pesado e
gore da temporada, com fortes influências de David Cronenberg, John Carpenter e George Romero. Os efeitos especiais também melhoraram muito. É muito difícil errar com trilha sonora quando se trata da década de 1980, mas aqui ela está no ponto, seja por conta dos hits da época ou pelas composições originais que marcam a passada da série. Os atores, por sua vez, estão bem soltos em seus papéis, com os veteranos mostrando toda sua química, enquanto as novas adições se fazem promissoras (especialmente Maya Hawke). Por fim, fiquei muito surpreso por um acontecimento no final, uma decisão corajosa que espero que seja mantida (mas duvido que vá).
Dito isso, chegou a hora de listar tudo que me desagradou e já aviso de antemão que teremos
SPOILERS a partir daqui. Quer dizer, não que eu ache que há alguém que ainda não tenha assistido essa terceira temporada, e aqueles que não assistiram, mas chegaram até aqui mesmo assim, é porque não ligam, mas não custa nada avisar.
*havia uma imagem aqui, mas fui obrigado a removê-la por supostamente infringir direitos autorais. Vai se f*der, Netflix.*
Acho que um bom ponto para se iniciar é a história. Por quê? Bom,
PORQUE NÃO HÁ EXATAMENTE UMA. Pare pra pensar: qual é trama de
Stranger Things 3? Ela pode ser resumida em "russos (mais sobre isso depois) abrem o portal para o Mundo Invertido, Billy é possuído pelo Devorador de Mentes e coisas sinistras começam a acontecer em Hawkins, RESOLVAM AÍ CRIANÇOS". Sério, é basicamente uma fusão requentada do visto nas duas temporadas anteriores, só que, para piorar, sem a progressão natural dos mistérios, a obtenção de respostas ou qualquer tentativa de expansão da mitologia já estabelecida. O que há aqui é uma problemática básica, uma resolução e uma linha reta ligando os dois através de interações entre personagens, cenas de ação e tensão, e muito
gore. Veja bem: eu não tenho problema nenhum com enredos simples e contidos, mas o deste terceiro ano da série é simplesmente
POBRE, com quase nenhuma surpresa. Nem parece que os Duffer Brothers tiveram um tempo mais que considerável entre temporadas.
Não dá para se comentar muita coisa boa sobre os personagens também. Eles são planos neste terceiro ano, com pouco desenvolvimento, e esse pouco que têm é bem irrelevante. O que, não acredita? Então vamos falar sobre cada um deles individualmente, para deixar bem claro o que fizeram durante a temporada e como isso acrescentou ao que já estava estabelecido sobre eles.
Mike: tomou um pé na bunda da Eleven e a reconquistou no decorrer da temporada, sem qualquer mudança acerca de seu machismo velado.
Will: percebeu que seus amigos cresceram, não queriam mais brincar e ficou frustrado. Depois virou só um radar de Devorador de Mentes.
Lucas: ...tava lá, peidando, sendo machistinha e fazendo vários nada.
Max: ...também tava lá, elevou a autoestima da Eleven, mostrou gibizinho da Mulher-Maravilha (e com a trama se passando em 1985, ano da
Crise nas Infinitas Terras, não é nem de uma fase memorável) e é isso aí.
Eleven: Girl Ex Machina, resolvia qualquer parada pela frente porque, bem, o roteiro mandava. Por outro lado, TALVEZ ela tenha aprendido a se valorizar. E perdeu os poderes, porque nem os próprios escritores estavam aguentando usá-la como elemento de roteiro.
Dustin: foi talvez o personagem mais ativo da temporada, esteve no coração da ação pela maior parte do tempo. Por outro lado, tal qual como a trama, andou numa linha reta entre dois pontos e zero desenvolvimento saiu disso.
Steve: tava lá pra ter umas cenas engraçadinhas com o Dustin e alguma tensão romântica com a menina nova, e não muito mais que isso.
Jonathan & Nancy: tenho que tratar desses dois juntos porque, bem, eles sempre estavam juntos em cena. E quem diria que o casal que todo mundo torceu para ficar junto nas temporadas anteriores seria tão inútil e detestável? Ele é um bundão conformista, enquanto ela se acha muito mais do que é (fora que tentaram dar habilidades investigativas que acabaram transformando-a numa proto-Veronica Mars bem piorada). Nancy até poderia ter protagonizado um arco sobre superação no meio de um ambiente de trabalho tóxico, mas isso simplesmente ficou jogado de lado porque sim.
Hopper: ah, cara... Por um lado, tivemos o xerife corajoso e pau-pra-toda-obra das outras temporadas. Por outro, "ah minha filha tá beijando o namorado dela unhé", dinâmica exaustiva de discussões com a Joyce e hipercontrolador com todas as mulheres a sua volta. E honestamente, a morte dele é um ponto impactante na série e espero que não mexam nisso (mas obviamente vão mexer e trazer ele de volta).
Joyce: depois de duas temporadas desesperadas com os filhos, ela simplesmente ESQUECEU deles e partiu numa jornada DE DIAS com o Hopper (com quem ela não parou de discutir por um minuto sequer) porque OS IMÃS DELA ESTAVAM DESMAGNETIZADOS.
Murray Bauman: o lunático conspiracionista da segunda temporada voltou, mas sinceramente: precisava? Só serviu como tradutor de russo.
Acredito que este sumário sobre os principais personagens seja suficiente para provar meu ponto. O que significa que é hora de falar sobre as novas adições deste rol. Temos a introdução de Robin, garota que trabalha com Steve no recém-inaugurado shopping e que até é uma personagem legal, mas que ao mesmo tempo foi concebida apenas para solucionar tudo daquele núcleo (e preencher a lacuna de personagem LGBTQI+ na série, apenas para a Netflix fingir que se importa com a diversidade de seu público, e não apenas com seu dinheiro), o que acaba por resumi-la a outra proto-Veronica Mars, só que sem a vivência. E também temos Erica, a irmã caçula do Lucas que já havia aparecido na temporada anterior dando uma resposta atravessada em uma cena engraçadinha, e aqui retorna se mostrando a personagem
MAIS INSUPORTÁVEL que essa série já viu. Respondona, malcriada, mimada, com ares de superioridade e maltratando qualquer um que via pela frente. Sério, não dava pra vê-la em cena sem ter vontade de socar a parede e quebrar a mão, porque a dor da fratura seria melhor do que aquilo.
*havia uma imagem aqui, mas fui obrigado a removê-la por supostamente infringir direitos autorais. Vai se f*der, Netflix.*
E não dá para deixar de comentar sobre os antagonistas. Billy, o irmão da Max, está de volta após uma temporada em que não souberam o que fazer com ele, e qual a solução aqui? Fundi-lo ao Devorador de Mentes (também requentado do segundo ano), claro! A solução mais óbvia, fácil e porcamente realizada que poderiam encontrar, sem ter que usar um pingo de criatividade para inovar o já estabelecido. Mas é graças a ela que o personagem ganha algum desenvolvimento, nas cenas em que Eleven adentra sua mente e vemos um pouco de seu triste passado. Só que isso é suficiente para dar significado à morte dele? Não. E ele precisava mesmo ter morrido? Também não. Seria mais interessante que ele tivesse sobrevivido e que pudéssemos ver um arco de redenção no futuro, mas os roteiristas preferiram seguir um caminho preguiçoso. De qualquer forma, ainda houve outros personagens menores que se opuseram aos protagonistas, como é o caso do prefeito corrupto que é um Bruce Campbell que cabia no orçamento, ou dos jornalistas babacas do Hawkins Post que acabaram como meleca para formar o corpo cronenbergiano do Devorador de Mentes.
Também tivemos a estreia dos russos.
Ah, os russos... Antes de mais nada, sim, eu sei que, devido à Guerra Fria, os russos eram vilões frequentes em grandes
blockbusters da década de 1980, vide
Rocky IV. Dito isso, precisava fazer uso desse clichê mais que batido? Vários outros países poderiam ter sido utilizados (como em
De Volta Para o Futuro, que usa terroristas líbios). Mas esse é o menor dos problemas. O ponto de principal frustração é a necessidade de fazer deles tamanhos imbecis. Pare para pensar um pouco: duas crianças e dois adolescentes/jovens adultos conseguem adentrar sua base secreta e sair de lá
VIVOS.
De uma base secreta com difícil acesso.
Lotada de agentes da KGB altamente treinados.
Fora a forma que eles agem, seus diálogos... Tudo completamente caricato e até desrespeitoso. Dentre eles, se destacam Grigori, o principal "capanga" que não passa de uma mistura genérica entre Arnold Schwarzenegger e Jean-Claude Van Damme, até passando aquela imagem totalmente chupinhada de
Exterminador do Futuro (e até sua morte é muito semelhante ao desfecho de um dos filmes); e Alexei, o cientista amante de raspadinha cuja breve existência não faz lá grandes diferenças, mas que, por algum motivo, virou o novo queridinho dos fãs na internet (o que não me surpreende).
Entenda que eu não queria desenvolvimento shakesperiano para todo mundo que tivesse mais que cinco minutos de tela. Simplesmente não dá, e eu sei que este não é o objetivo da série. Mas em oito episódios, cada um com quase uma hora de duração, dava para trabalhar melhor pelo menos uns três personagens, dando a eles maior profundidade ou um real progresso. Só que não vemos isso com
NENHUM deles, sendo a Eleven quem mais se aproxima (e ainda assim passa longe). E mais que um problema de roteiro, fica claro aqui que
Stranger Things 3 tem personagens demais e, na necessidade de dar tempo de tela para todos em ação, o desenvolvimento é jogado de lado. Não é a toa que a primeira temporada, mais contida, é a que melhor funciona nesse quesito.
Finalmente, é necessário comentar sobre alguns momentos desnecessários, vergonhosos ou ambos. Quer dizer, dá para listar alguns episódios inteiros aqui (como do primeiro ao terceiro), mas ainda assim há cenas que saltam aos olhos pelos motivos listados. Comecemos então no capítulo três, quando Eleven resolve espionar os garotos com seus poderes e somos presenteados com piada de arroto e peido entre Mike e Lucas. Poxa, sério mesmo? Em pleno 2019? Numa série classificada como "para maiores de 14 anos"? Um humor do nível de
Transformers e besteirois, sendo que a série costumava ser melhor que isso. E o que dizer da Nancy com a mãe no episódio seguinte, em um papo de quase cinco minutos demonstrando uma repentina relação de proximidade que
NUNCA havia sido mostrada antes? Ou então daquela longa sequência entre Steve e Robin enquanto estavam sob efeito da droga dos russos (com direito a cena de vômito - sério, por que toda série sente a necessidade de colocar essas nojentas cenas de vômito? -) que, embora tenha sido importante para esclarecer a sexualidade da garota, se estendeu por muito mais tempo do que precisava?
*havia uma imagem aqui, mas fui obrigado a removê-la por supostamente infringir direitos autorais. Vai se f*der, Netflix.*
Mas nenhuma das citadas se compara
ÀQUELA cena do episódio final.
Sim, eu estou falando do momento musical entre Dustin e sua namorada Suzie. Ele só está lá para 1) mostrar o talento de Gaten "menino Broadway" Matarazzo e 2) garantir umas risadas fáceis pela quebra da expectativa no momento de tensão. Mas não é engraçado. É vergonhoso (me identifiquei com os adultos testemunhando aquilo). É completamente desnecessário. É frustrante. E, acima de tudo, é totalmente fora de momento, justamente por destruir o clímax que vinha sendo construído desde o episódio anterior, só para garantir umas risadinhas e uma referência barata a
História Sem Fim. O pior é que havia TANTAS outras formas de fazer isso funcionar melhor. Não sou contra nem a um episódio que seja inteiramente musical, e acho até que seria mais honesto, por mais batido que seja fazer isso atualmente.
Eu poderia continuar me prolongando aqui, falar sobre o ritmo inconsistente da trama (que perde tempo demais justamente com besteiras como as citadas, fazendo com que diversos momentos-chave pareçam apressados) ou sobre a piora considerável da qualidade das referências (que, de sutis rimas cenográficas, se tornaram trechos, imagens ou até mesmo músicas jogadas na cara do público), mas creio que todo o dito acima deixe claro que, embora tenha acertado em aspectos técnicos,
Stranger Things 3 pecou por completo em seu roteiro, que é débil, furado e que, no quadro geral, não apresenta avanços significativos. E após o apresentado nas duas primeiras temporadas, sem dúvidas era um elemento de suma importância, mas que passa longe de ser suficiente aqui.
E quem é o culpado por isso? A resposta óbvia é que seriam os produtores e roteiristas, que definitivamente tem sua parcela de culpa, mas esse é um problema que vai mais além. Já não é de hoje que o
modus operandi da Netflix para basear quais devem ser suas produções é baseado tanto em seu algoritmo quanto nas repercussões de público em redes sociais. E, como eu disse antes, também já não é de hoje que a qualidade destas vêm despencando. O que fica evidente é que a empresa abriu mão de entregar tramas coerentes em suas obras, recheando-as com aquilo que os números dizem que as pessoas querem. Suas séries deixaram de lado a qualidade e tudo o que poderiam fazer delas únicas em troca de momentos que sejam bons GIFs no
tumblr ou que viralizem em prints nas redes sociais. E o pior é que
DÁ CERTO, vide toda a aceitação que essa terceira temporada recebeu. Mas manter o público pra sempre em uma zona de conforto pode ser prejudicial a longo prazo, tanto para a indústria quanto para os próprios espectadores. E com a concorrência se acirrando, não vou me surpreender caso a empresa perca espaço entre os consumidores.
Seja como for, só posso ressaltar o que está no título:
Stranger Things PRECISA ACABAR. Enquanto ainda lhe resta alguma dignidade. Enquanto ainda não saturou. E, tal qual o fim dos anos anteriores, poderia se dar por encerrada com o desfecho desta terceira temporada. Mas com o gancho de uma cena pós-crédito e a quase certa confirmação de um
Stranger Things 4 (e eu torço para que seja a última), talvez seja melhor eu reavaliar a administração de meu tempo e passar a gastá-lo de forma melhor, ao invés de desperdiçá-lo com algo que é certeza de frustração (e só tende a piorar).