(arte por Pepe Larraz e Marte Gracia)
O último dia 9 de outubro seria o aniversário de 79 anos de John Lennon, um dos artistas mais conhecidos e influentes da história, famoso por integrar os Beatles e por sua carreira solo, assim como por seu ativismo pela paz e sua visão de um mundo próspero, pacífico e unificado (mote de seu sucesso Imagine). E a data também marcou a conclusão definitiva das minisséries House of X e Powers of X com o lançamento da sexta edição da última, encerrando o pontapé inicial da fase do roteirista Jonathan Hickman à frente dos X-Men, um grupo que, conforme deixo claro em meu TCC, sempre almejou a convivência entre seres humanos e mutantes de uma forma próspera, pacífica e unificada.
Mas não mais.
(E ATENÇÃO: DAQUI PARA FRENTE, O TEXTO CONTERÁ SPOILERS DE HOUSE OF X E POWERS OF X, ENTÃO CONTINUE POR SUA CONTA E RISCO)
Antes, vale uma recapitulação: já tem um tempo que o nome X-Men não é sinônimo de qualidade ou vendas; por mais que algumas fases ou títulos tenham se sobressaído, as histórias e passagens ruins ainda tem maior número nos últimos 20 anos, fora a bagunça cronológica que já vem desde antes. Alguém precisava arrumar a casa, e é aí que entra Jonathan Hickman. O roteirista já havia obtido sucesso anteriormente na Marvel em suas aclamadas passagens pelo Quarteto Fantástico e Os Vingadores/Novos Vingadores (as quais culminaram na megassaga Guerras Secretas de 2015), nas quais demonstrou domínio histórico sobre os personagens e a criatividade para estabelecer novos conceitos, e se mostrava o cara certo para assumir esse serviço sujo. Anunciado oficialmente em março deste ano, foi revelado que tudo se iniciaria com as minisséries irmãs House of X e Powers of X (lê-se Powers of Ten), as quais seriam lançadas semanalmente de forma alternada, e que a fase redefiniria o papel dos mutantes no universo ficcional da editora.
Isso ficou claro para os leitores logo em House of X (ou HoX) nº 1, lançada no último 24 de julho. A revista apresentou um novo status quo para os mutantes, agora habitantes da ilha de Krakoa e em busca de seu reconhecimento perante a ONU como nação soberana e independente, a qual teria os antes heróis e vilões coexistindo como um só povo e, acima de tudo, Magneto encarregado da diplomacia, enquanto o Professor Xavier era capaz de andar novamente, agia de forma bizarra e apresentava um visual que em muito se assemelhava ao do Criador (vulgo Reed Richards do Universo Ultimate). Powers of X (ou PoX) nº 1, lançada na semana seguinte (31 de julho), apenas levantou ainda mais questões por trabalhar com quatro diferentes momentos: o Ano Um dos X-Men, que mostrou um estranho diálogo entre Moira MacTaggert e Xavier; o Ano Dez ou presente, principal elo entre os títulos; o Ano Cem, retratando uma devastadora guerra entre humanos e mutantes; e o Ano Mil, no qual essas diferenças pareciam superadas e a vida no planeta se preparava para o próximo passo evolucionário.
As respostas, óbvio, vieram nas edições seguintes, ao lado de conceitos de dar inveja em grandes produções de ficção científica e outros questionamentos e incertezas que devem guiar o que ainda está por vir. Se em PoX vemos ideias sobre modificações genéticas, evolução de inteligências artificiais (feitas para perseguir os mutantes, claro) e até mesmo escalas de sociedades existentes em níveis intergalácticos, HoX se focou em trabalhar melhor essa nova posição em que os X-Men se encontram, explorando as fundações sociopolíticas da emergente nação de Krakoa, apresentando uma forma plausível de se burlar a morte (e os personagens envolvidos no processo são os mais inusitados) e mostrando o Professor X agindo de uma forma mais maniqueísta do que já visto, fazendo todo o necessário para atingir seus objetivos, independente do quão moralmente questionável (ou simplesmente errado) seja, e até se alinhando com alguns do mais perversos adversários que seu grupo já enfrentou.
Por maior que tenham sido as besteiras que Xavier tenha cometido no passado, nada indicava que ele viesse a agir de tal forma um dia, o que surpreendeu muita gente. Mas Hickman se valeu de um "retcon do bem" e esclareceu os eventos que levaram a tal mudança de atitude. Tudo se resume a um personagem, aquele que o roteirista classificou como "o mais importante mutante de todos os tempos":
Moira MacTaggert.
Não, você não leu errado.
A estranha conversa entre ela e Charles, vista nas páginas de Powers of X nº 1, foi esclarecida House of X nº 2, publicada na semana seguinte (7 de agosto): Moira é, na verdade, uma mutante cujo poder é, ao morrer, voltar ao ponto inicial de sua vida com todo o conhecimento de sua vida anterior, dando-lhe a vantagem de poder corrigir seus erros prévios ou simplesmente tentar algo totalmente diferente. No decorrer da HQ, passeamos por algumas das vidas da personagem (e tomamos conhecimento acerca das demais nas edições seguintes) e vemos sua dedicação à sobrevivência e prosperidade do Homo superior de diferentes formas, mas todas elas terminam com os humanos perseguindo e massacrando os mutantes, seja através das máquinas, seja ao ponto de forçar artificialmente sua própria evolução (e aí temos o conceito do Homo novissima).
Moira testemunhava o mesmo desfecho não importando as atitudes que tomasse, e nem mesmo alianças mais radicais alteravam o resultado. E foi assim por nove de suas vidas. Em sua décima tentativa, no entanto, decidiu mudar seu modus operandi e experimentar algo diferente, ainda mais extremo do que tudo o que já havia feito até então. Num belo dia, durante o Ano Um dos X-Men, ela se dirigiu a Xavier e abriu sua mente para que o telepata pudesse lê-la, revelando assim sua identidade, seu poder mutante, a experiência adquirida a cada encarnação e o desfecho que todas elas compartilhavam.
E então chegamos à edição lançada na última semana. PoX nº 6 mostra o que se deu logo após tamanha revelação: o Professor teve um pequeno colapso após receber tantas informações importantes. Ele não conseguia acreditar que, no futuro, eles perdiam, ou melhor, eles sempre perdiam. Sua primeira reação foi começar a avaliar o que ele poderia fazer de diferente, melhorar sua escolha de alunos... Mas Moira joga a triste realidade em sua cara ao dizer que sua idealização é errada, não dá resultados e eles precisam agir diferente para garantir o futuro da espécie. Ela quebra o espírito e os ideais de Xavier. É ali que seu tão conhecido sonho de convivência pacífica entre humanos e mutantes chega ao fim.
Essa cena, assim como suas consequências, mudam tudo o que sabíamos sobre esses personagens. Veja: os X-Men, quando concebidos nos anos 1960, eram uma metáfora para o racismo e os movimentos pelos direitos civis dos negros nos EUA, com o Professor Xavier e Magneto sendo, respectivamente, análogos de Martin Luther King e Malcolm X. E isso se manteve por mais de 50 anos, expandindo-se para abraçar outras formas de preconceitos sofridos por minorias e refleti-los nas páginas dos gibis. Após essas últimas doze semanas, no entanto, por mais que essas dinâmicas não tenham sido esquecidas ou completamente descartadas, isso não se mostra mais uma verdade absoluta. Os antes antagonistas estão unidos em prol de uma causa em comum que não apenas os envolve, mas toda a comunidade mutante, incluindo seus antigos vilões.
Mais do que isso: embora o velho e conhecido sonho de Xavier tenha sido destroçado por Moira, algo ainda maior surgiu de seus escombros. Se uma nação mutante que acolhesse todos os seus iguais de portas abertas parecia algo distante (especialmente após Genosha), ele, ao lado de seus dois aliados, fez com que se tornasse uma realidade. E mais do que um mero território físico, ela vem se estruturando em uma sociedade, com suas próprias leis, organização política, força de vigilância e até mesmo alfabeto, forma escrita e linguagem. Ainda possuem reconhecimento da ONU, acordos comerciais, mecanismos de defesa e, claro, planos para superar a humanidade em qualquer mal que tentar lhe infligir. No fim, saem de cena as citadas analogias sobre racismo e demais preconceitos para dar lugar a algo que soa como uma mistura entre os conceitos de luta de classes e revolução proletária de Karl Marx com a sobrevivência do mais apto de Darwin e Herbert Spencer.
Claro que tudo isso parece muito bonito na teoria, mas a realidade, ainda que dentro de um gibi, não é bem assim. É impossível que o resto do planeta simplesmente fique passivo a tais acontecimentos. E o desfecho mais óbvio? Uma guerra entre humanos e mutantes, assim como aconteceu nas nove vidas anteriores da Moira, mas uma em que os últimos tenham maiores chances e, possivelmente, até consigam ganhar e conquistar seus devidos lugares como os herdeiros naturais da Terra. Ou então a humanidade pode se cansar de ver suas tentativas de destruir os mutantes falharem ou serem preventivamente sabotadas e simplesmente aceitar que serão evolucionariamente substituídos. O mais provável, no entanto, é que não seja nada disso e Jonathan Hickman tenha uma ideia mais criativa para a conclusão de sua fase.
Não dá pra descartar, também, que algo algo aconteça com a sociedade de Krakoa que a impeça de prosperar. Temos que lembrar que a ilha não é habitada apenas pelos "heróis", mas também por vilões de alto calibre como Apocalipse, Senhor Sinistro e Sebastian Shaw, e talvez um deles, colocando seus interesses pessoais e desejos de poder acima dessa enorme conquista da comunidade mutante. E nem mesmo a "santíssima trindade" idealizadora de todo o plano está com as mãos limpas, especialmente por termos visto Xavier e Magneto diminuírem Moira e limitarem de forma drástica seu papel em meio a isso tudo na última semana. Pelo conteúdo das anotações mostradas em PoX nº 6, não seria uma surpresa se, em algum momento, ela viesse a mudar de ideia e passasse a achar que o mundo seria melhor sem os mutantes, sabotando todo o trabalho que foi feito.
Voltando a John Lennon, em sua música God há a célebre frase "o sonho acabou", em referência ao término dos Beatles. Tais palavras também se aplicam aos X-Men pós-House of X e Powers of X. A diferença é que, ao contrário da mais famosa banda de todos os tempos, algo muito maior surgiu do fim do sonho de Xavier: uma realidade na qual todos os mutantes estão unidos, seguros e preparados para enfrentar o que vier pela frente. Mas até quando ela irá durar? Isso é algo que só saberemos com o passar dos próximos meses ou anos.
Isso ficou claro para os leitores logo em House of X (ou HoX) nº 1, lançada no último 24 de julho. A revista apresentou um novo status quo para os mutantes, agora habitantes da ilha de Krakoa e em busca de seu reconhecimento perante a ONU como nação soberana e independente, a qual teria os antes heróis e vilões coexistindo como um só povo e, acima de tudo, Magneto encarregado da diplomacia, enquanto o Professor Xavier era capaz de andar novamente, agia de forma bizarra e apresentava um visual que em muito se assemelhava ao do Criador (vulgo Reed Richards do Universo Ultimate). Powers of X (ou PoX) nº 1, lançada na semana seguinte (31 de julho), apenas levantou ainda mais questões por trabalhar com quatro diferentes momentos: o Ano Um dos X-Men, que mostrou um estranho diálogo entre Moira MacTaggert e Xavier; o Ano Dez ou presente, principal elo entre os títulos; o Ano Cem, retratando uma devastadora guerra entre humanos e mutantes; e o Ano Mil, no qual essas diferenças pareciam superadas e a vida no planeta se preparava para o próximo passo evolucionário.
As respostas, óbvio, vieram nas edições seguintes, ao lado de conceitos de dar inveja em grandes produções de ficção científica e outros questionamentos e incertezas que devem guiar o que ainda está por vir. Se em PoX vemos ideias sobre modificações genéticas, evolução de inteligências artificiais (feitas para perseguir os mutantes, claro) e até mesmo escalas de sociedades existentes em níveis intergalácticos, HoX se focou em trabalhar melhor essa nova posição em que os X-Men se encontram, explorando as fundações sociopolíticas da emergente nação de Krakoa, apresentando uma forma plausível de se burlar a morte (e os personagens envolvidos no processo são os mais inusitados) e mostrando o Professor X agindo de uma forma mais maniqueísta do que já visto, fazendo todo o necessário para atingir seus objetivos, independente do quão moralmente questionável (ou simplesmente errado) seja, e até se alinhando com alguns do mais perversos adversários que seu grupo já enfrentou.
Acredite: fiquei tão em choque quanto você ao ver isso. (arte por Pepe Larraz e Marte Gracia)
Por maior que tenham sido as besteiras que Xavier tenha cometido no passado, nada indicava que ele viesse a agir de tal forma um dia, o que surpreendeu muita gente. Mas Hickman se valeu de um "retcon do bem" e esclareceu os eventos que levaram a tal mudança de atitude. Tudo se resume a um personagem, aquele que o roteirista classificou como "o mais importante mutante de todos os tempos":
Moira MacTaggert.
Não, você não leu errado.
A estranha conversa entre ela e Charles, vista nas páginas de Powers of X nº 1, foi esclarecida House of X nº 2, publicada na semana seguinte (7 de agosto): Moira é, na verdade, uma mutante cujo poder é, ao morrer, voltar ao ponto inicial de sua vida com todo o conhecimento de sua vida anterior, dando-lhe a vantagem de poder corrigir seus erros prévios ou simplesmente tentar algo totalmente diferente. No decorrer da HQ, passeamos por algumas das vidas da personagem (e tomamos conhecimento acerca das demais nas edições seguintes) e vemos sua dedicação à sobrevivência e prosperidade do Homo superior de diferentes formas, mas todas elas terminam com os humanos perseguindo e massacrando os mutantes, seja através das máquinas, seja ao ponto de forçar artificialmente sua própria evolução (e aí temos o conceito do Homo novissima).
Moira testemunhava o mesmo desfecho não importando as atitudes que tomasse, e nem mesmo alianças mais radicais alteravam o resultado. E foi assim por nove de suas vidas. Em sua décima tentativa, no entanto, decidiu mudar seu modus operandi e experimentar algo diferente, ainda mais extremo do que tudo o que já havia feito até então. Num belo dia, durante o Ano Um dos X-Men, ela se dirigiu a Xavier e abriu sua mente para que o telepata pudesse lê-la, revelando assim sua identidade, seu poder mutante, a experiência adquirida a cada encarnação e o desfecho que todas elas compartilhavam.
Momentos antes da grande revelação. (arte por R.B. Silva, Antonio Di Benedetto e Marte Gracia)
E então chegamos à edição lançada na última semana. PoX nº 6 mostra o que se deu logo após tamanha revelação: o Professor teve um pequeno colapso após receber tantas informações importantes. Ele não conseguia acreditar que, no futuro, eles perdiam, ou melhor, eles sempre perdiam. Sua primeira reação foi começar a avaliar o que ele poderia fazer de diferente, melhorar sua escolha de alunos... Mas Moira joga a triste realidade em sua cara ao dizer que sua idealização é errada, não dá resultados e eles precisam agir diferente para garantir o futuro da espécie. Ela quebra o espírito e os ideais de Xavier. É ali que seu tão conhecido sonho de convivência pacífica entre humanos e mutantes chega ao fim.
Essa cena, assim como suas consequências, mudam tudo o que sabíamos sobre esses personagens. Veja: os X-Men, quando concebidos nos anos 1960, eram uma metáfora para o racismo e os movimentos pelos direitos civis dos negros nos EUA, com o Professor Xavier e Magneto sendo, respectivamente, análogos de Martin Luther King e Malcolm X. E isso se manteve por mais de 50 anos, expandindo-se para abraçar outras formas de preconceitos sofridos por minorias e refleti-los nas páginas dos gibis. Após essas últimas doze semanas, no entanto, por mais que essas dinâmicas não tenham sido esquecidas ou completamente descartadas, isso não se mostra mais uma verdade absoluta. Os antes antagonistas estão unidos em prol de uma causa em comum que não apenas os envolve, mas toda a comunidade mutante, incluindo seus antigos vilões.
Mais do que isso: embora o velho e conhecido sonho de Xavier tenha sido destroçado por Moira, algo ainda maior surgiu de seus escombros. Se uma nação mutante que acolhesse todos os seus iguais de portas abertas parecia algo distante (especialmente após Genosha), ele, ao lado de seus dois aliados, fez com que se tornasse uma realidade. E mais do que um mero território físico, ela vem se estruturando em uma sociedade, com suas próprias leis, organização política, força de vigilância e até mesmo alfabeto, forma escrita e linguagem. Ainda possuem reconhecimento da ONU, acordos comerciais, mecanismos de defesa e, claro, planos para superar a humanidade em qualquer mal que tentar lhe infligir. No fim, saem de cena as citadas analogias sobre racismo e demais preconceitos para dar lugar a algo que soa como uma mistura entre os conceitos de luta de classes e revolução proletária de Karl Marx com a sobrevivência do mais apto de Darwin e Herbert Spencer.
Dá pra ouvir o espírito do Xavier se partindo nessa imagem. (arte por Pepe Larraz e Marte Gracia)
Não dá pra descartar, também, que algo algo aconteça com a sociedade de Krakoa que a impeça de prosperar. Temos que lembrar que a ilha não é habitada apenas pelos "heróis", mas também por vilões de alto calibre como Apocalipse, Senhor Sinistro e Sebastian Shaw, e talvez um deles, colocando seus interesses pessoais e desejos de poder acima dessa enorme conquista da comunidade mutante. E nem mesmo a "santíssima trindade" idealizadora de todo o plano está com as mãos limpas, especialmente por termos visto Xavier e Magneto diminuírem Moira e limitarem de forma drástica seu papel em meio a isso tudo na última semana. Pelo conteúdo das anotações mostradas em PoX nº 6, não seria uma surpresa se, em algum momento, ela viesse a mudar de ideia e passasse a achar que o mundo seria melhor sem os mutantes, sabotando todo o trabalho que foi feito.
(arte por Pepe Larraz e Marte Gracia)