terça-feira, 2 de julho de 2013

Jim Carrey, Kick-Ass e a Violência nas HQs (e em outras mídias)


Alguns acompanharam nos últimos dias a polêmica envolvendo Jim Carrey e seu mais recente filme, "Kick-Ass 2", que será lançado dia 16 de agosto nos EUA e 13 de setembro aqui. O ator, que se tornou contra o uso de armas após o massacre na cidade de Newton em dezembro do último ano, tweetou que não divulgaria mais a adaptação por não suportar o nível da violência presente nela, e que os acontecimentos recentes mudaram seu ponto de vista (detalhe: ele gravou um mês do incidente). A declaração causou confusão em muitos, especialmente pelo que foi visto nos trailers e materiais promocionais: um Carrey caoticamente divertido como Colonel Stars and Stripes.

Um desses muitos foi ninguém menos que Mark Millar, autor dos quadrinhos que serviram como base para a película e de outras obras como "Superman: Red Son", "Nemesis" e "Jupiter's Legacy". Em um texto escrito nos fóruns de seu site "MillarWorld", ele se mostrou extremamente surpreso com a ação, especialmente após todo o entusiasmo demonstrado pelo ator e seu trabalho sensacional nesta sequência, a qual Millar por questões óbvias já assistiu diversas vezes. Elogiou-o de diversas formas, mas explicitou que seu objetivo jamais foi promover a violência, e sim mostrar suas consequências nas vidas dos envolvidos. Claro que a contagem de corpos terá um número elevado, mas não há como fugir disso, pois faz parte de sua "arte".

Quem já leu alguma de suas publicações sabe muito bem que isso é verdade. "Kick-Ass", por exemplo, é intenso, polêmico e até "Tarantinesco" na questão da sanguinolência. Se você acha que o filme é politicamente incorreto, saiba que a história original é extremamente mais, com muito mais palavrões, mortes, cenas de tortura e até mesmo uma Hit Girl que chega a usar substâncias ilícitas para melhorar seu "desempenho", além de ser muito mais desbocada. "Nemesis" também deve ser citada, pois beira (se não extrapola) o absurdo, por contar com tantas cenas violentas e questões polêmicas que envolvem os limites da moral e ética de seus personagens. Para os que não conhecem, pensem: o que aconteceria se o Coringa tivesse a fortuna do Batman? É isso, e é insano.

Mas, como o próprio criador disse, elas mostram as consequências da violência. OK, em "Nemesis" nem tanto, pois, apesar do propósito de vingança do vilão/protagonista, a matança é generalizada e um tanto sem propósito. "Kick-Ass" (que é o foco aqui), porém, demonstra isso muito bem. Não dá para se tornar um herói e não se preocupar com as pessoas mais próximas, mas Dave Lizewski, o Kick-Ass, não pensa nisso no início, tanto é que, enquanto conta sua história, ele diz: "With no powers comes no responsability. Except, *that* wasn't true.", parodiando à famosa frase dita por Tio Ben no primeiro Homem-Aranha (2002). E o que acontece? Familiares, amigos e conhecidos de todos os envolvidos são mortos ou agredidos, seja pelos vilões, que resolvem fazer uma caçada aos mascarados, ou pelos heróis, que em um momento se veem combatendo o crime e em outro precisando se vingar de suas perdas e salvar sua própria pele. É um ciclo vicioso que, apesar de parecer legal nas histórias em quadrinhos de personagens como o Batman ou o Homem de Ferro, não tem como dar certo sem causar estragos na vida real.

Outro ponto ressaltado pelo próprio Millar é que tudo não passa de uma obra de ficção, e o propósito é entreter um público que paga para ver isso e que, devido a classificação etária para maiores de 18 anos (ou 16 em alguns poucos países), é um tanto quanto restrito. Mais do que isso: espera-se que eles entendam que  tudo não passa de atuação e tenham em mente os conceitos do que é certo e do que é errado. Sendo assim, não há justificativa para dizer que a adaptação incentive a violência ou o uso de armas. Caso contrário, haveria assassinos e terroristas a cada esquina.

Claro, há sempre quem tente relacionar, especialmente na mídia, violência com filmes, além de séries, quadrinhos e, o favorito de todos eles, video-games. Principalmente quando o caso é algum massacre, como o do colégio de Columbine em 1999, o do cinema no Colorado ou o próprio em Newton, que ocorreram em 2012. Vale lembrar, porém, que todos os ataques partiram das mãos de pessoas traumatizadas, com algum tipo de distúrbio, sempre isoladas, sozinhas e que geralmente guardam rancores do passado. Suas mentes funcionam de uma forma diferente, e, sendo assim, uma mera representação de cena violenta pode ser o estopim para realizar um ato tão terrível quanto os citados acima. (e não, não sou um especialista no assunto, mas já li algumas coisas a respeito. Qualquer correção a ser feita pode ser reportada na área de comentários)

Não há como tirar méritos de uma obra apenas por ela ser violenta. Pelo contrário: muitas das consideradas "as melhores" tem a violência presente. Ela faz, afinal, parte da vida de todos (de forma direta ou indireta) e também da história da humanidade. Não há nada de errado em retratar algo que existe no mundo, especialmente se também mostrar por que ele é ruim. Citando apenas alguns filmes, temos "O Poderoso Chefão", "Scarface", "Os Bons Companheiros", "Laranja Mecânica", "Clube da Luta", "Pulp Fiction" e "Taxi Driver", citados por muitos como o que Hollywood tem a oferecer de melhor. No caso dos quadrinhos, apenas histórias consagradas como "Watchmen", "V de Vingança", "Sin City", "300 de Esparta" e "Batman: A Piada Mortal". (NOTA: todas escritas ou por Alan Moore ou por Frank Miller)

Eu adoro o Jim Carrey. Para mim, é um dos melhores atores que já pisou na Terra. Um verdadeiro mestre da comédia, com atuações memoráveis em "Todo Poderoso", "O Máskara", "O Grinch", "Débi & Lóide", "O Mentiroso", "Ace Ventura", "Eu, Eu Mesmo e Irene" e muitos outros; além de ser muito versátil, o que ficou comprovado em "Cine Majestic", "O Show de Truman" e, especialmente, "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças". Mas, assim como Mark Millar, espero que ele reconsidere suas motivações e não deixe de promover o filme. Violência fictícia não justifica a violência real, muito pelo contrário. Se não quiser voltar atrás, tudo bem, contanto que não seja hipócrita e doe o cachê ganho para uma organização anti-armas. Enquanto isso, apenas aumenta minha expectativa de assistir "Kick-Ass 2"...

Aos curiosos, estes são os tweets originais do Jim Carrey: AQUI e AQUI. E este AQUI é o texto original do autor Mark Millar. Tirem suas próprias conclusões e, se precisarem, comentem.