sexta-feira, 5 de julho de 2013

Fanáticos

Chegou exausto do trabalho. Foi um dia matador: muita papelada e dezenas de clientes. Muitos deles não entendiam o que tentava explicar, o que o fez repetir muitas vezes a mesma coisa até que compreendessem. E aquele chefe que não saía do seu pé? Não podia nem olhar pro lado que já vinha pressionar, perguntando por que não estava trabalhando pesado e ameaçando reduzir seu salário. Geralmente não era assim, mas hoje ele estava marcado. Talvez aquele falastrão do andar de baixo tenha dito alguma besteira... Fora o trânsito atípico. E ele morava a 10 quadras de onde trabalhava, mas teve que pegar seu carro porque saiu atrasado.

Para alguém de apenas 27 anos, ele estava bem financeiramente. Tinha um bom emprego, ganhava bem, e já ocupava um cargo um tanto elevado na empresa. Havia recém comprado um belo carro zero, e morava sozinho em um espaçoso apartamento alugado. Mas sentia-se solitário. Uma briga recente com a namorada fez com que eles terminassem o relacionamento de quase um ano. Estava muito chateado e confuso, pois gostava muito da garota, porém sabia que aquele era o fim. Ela era ciumenta demais, e ele queria um pouco mais de liberdade em sua vida. Tentaram fazer dar certo de todos os jeitos possíveis, só que o fim era inevitável, e o conflito cada vez mais iminente. Foi terrível quando ocorreu, realmente sem volta. 

Tentando desviar sua mente daquilo tudo e relaxar um pouco, chamou alguns amigos para ir até sua residência naquela noite. Bater um papo, falar algumas besteiras, tomar umas cervejas. Por que não? Aquilo seria o máximo de diversão que ele teria em semanas. E era quarta-feira, ou seja, dia de futebol. Seu time jogaria uma partida difícil na disputa pela primeira colocação do campeonato. Cenário melhor para poder descontrair e até mesmo liberar um pouco de sua raiva, impossível.

Preparou alguns petiscos e colocou a bebida no freezer. Deu uma arrumada básica no local, viu se estava tudo em ordem e foi finalmente colocar uma roupa mais confortável, coisa que deveria ter feito logo quando entrou em casa. Olhou no relógio. Ainda tinha quase uma hora até que o jogo começasse, então decidiu ver algumas coisas na internet. Abriu uma rede social e... nada de interessante, apenas o lixo de sempre. No site de notícias, só coisas fúteis. Em blogs de humor, nenhum post engraçado. Desligou o computador e foi fazer algo que não fazia há tempos: assistir televisão.

Sentou-se no sofá, pegou o controle e ligou o aparelho. Mudou algumas vezes de canal até encontrar algo que lhe chamou a atenção: um show. Não era de nada que gostasse, e sim da boyband do momento. O que o fez parar ali, porém, não foi o som, e sim o público. No caso, composto em sua grande maioria por garotas adolescentes, que gritavam de forma estérica, seguravam cartazes, se esmagavam num espaço que parecia pequeno para as milhares delas, e tentavam ficar o mais próximas possível dos artistas. Ele simplesmente não entendia aquilo. Já esteve em alguns shows, claro, mas nunca tinha visto uma situação como aquela. Não fazia sentido, especialmente porque os caras não eram nem de longe bonitos. E as músicas, putz...

Trocou de canal. Lá se deparou com outra cena inusitada: uma passeata de religiosos. Centenas de pessoas andando nas ruas, com faixas e gritos de guerra com mensagens religiosas. Trocou novamente. Dessa vez, era um programa onde dois jovens obesos discutiam as vantagens de seus video-games preferidos e qual era o melhor. Em muitos momentos, quase trocaram socos, enquanto a platéia ia a delírio e incentivava. Trocou mais uma vez. Imagens de militantes de partidos políticos na tela, todos com suas bandeiras, cartazes e camisetas, exaltando figuras públicas. Ele detestava política, então não hesitou em desligar a televisão e foi até a cozinha.

Não conseguia entender as situações que havia acabado de ver. "Por que tanta gente quer mostrar sua admiração por algo sem motivo algum? É muita falta do que fazer...", pensou. Para ele, nada daquilo tinha sentido. Resolveu então deixar para lá e se dedicar aos seus afazeres, pois o pessoal já estava para chegar. Tirou as bebidas do freezer, levou os petiscos para a sala. Deu uma desamassada no tapete e endireitou um pouco a poltrona. Ligou novamente a televisão e colocou no canal que transmitiria o jogo. Ainda não tinha começado, mas já estava quase na hora.

O interfone tocou. Ele atendeu e mandou subir. Instantes depois, bateram em sua porta. Os amigos finalmente chegaram, e estavam todos uniformizados com a camisa do time. Cumprimentou a todos, falou para se acomodarem e foi colocar a cerveja que trouxeram no freezer. Enrolou as garrafas com papel toalha molhado para elas gelarem mais rapidamente, como viu outro dia na internet. Voltou para a sala e viu que levaram até uma bandeira com o escudo da equipe. Gostou, apesar de ter achado um pouco exagerado. Mas sua atenção se desviou para a tela, pois os jogadores já entravam em campo.

Quando a bola finalmente rolou, ele teve uma sensação boa. Pode finalmente extravasar aquele sentimento que vinha sentindo há semanas. Torceu como nunca antes na vida. Vibrou com cada ataque, suspirou aliviado a cada lance de perigo desperdiçado pelos adversários. Xingou o juiz dos piores nomes possíveis, nem a mãe do cidadão foi poupada. Quase jogou o controle remoto na televisão. Gritou. Pulou. Cantou o hino do time. Até pegou a bandeira dos amigos e a pendurou na varanda.

Não percebeu, mas agia quase como aquelas garotas do show. Ou as pessoas na passeata religiosa. Ou os gordos que discutiam qual video-game era melhor. Ou os militantes de partido político.

O time venceu o jogo. E ele se sentia bem, melhor do que esteve em muitas semanas. Estava feliz. Sem nenhum motivo aparente.