sábado, 3 de janeiro de 2015

Obrigado, Steven Gerrard.


Tudo começou com... video-game.

E não foi como uma pessoa comum, jogando PES/Winning Eleven no PlayStation 2, o mínimo para a época. Foi jogando FIFA 09. De Nintendo DS. Era simples, básico, com alguns bugs e estava longe da complexidade da versão para console, mas que me divertia e era o suficiente para aquelas férias em que fiquei praticamente um mês na praia. Eu não era lá um grande fã de futebol naquele tempo, nem da vida real e nem dos games, mas aquele FIFA me cativou pela diversão. Eu usava um tal de Liverpool, o qual sempre via uns conhecidos de fóruns do Orkut comentarem (pois eles torciam pro time), e que tinha como jogador ninguém menos que Fernando Torres, que eu havia visto marcar o gol que deu o título da Euro 2008 para a Espanha, naquela final memorável contra a Alemanha.

Aquele Liverpool também tinha alguns outros nomes que eu conhecia, como Xabi Alonso e Mascherano. Mas um daqueles pequenos jogadores virtuais me chamou a atenção. O camisa #8 do time, o capitão daquela equipe. Um tal de "Gerrard", cujo nome eu mal sabia pronunciar direito, mas que me recordava de ver em algum dos pouquíssimos jogos da seleção inglesa que já havia assistido, ou do álbum de figurinhas da Copa do Mundo de 2006. Ele era melhor do que todos os outros que eu citei. Podia correr bastante, dar passes excelentes e marcar gols incríveis, tanto de dentro quanto de fora da área. Facilmente o melhor que tinha ali, e que se tornou uma figurinha carimbada em todas as partidas que joguei durante aqueles dias.

Quando voltei para casa, procurei saber um pouco mais sobre aquele time. Descobri que eles eram os principais rivais do Manchester United, que eu sempre detestei (e ainda detesto, mas que aprendi a respeitar em consideração a alguns amigos), e que aquele Steven Gerrard era jogador deles desde sempre, algo que até eu na época sabia que havia se tornado raro. Passei, ainda que com pouco afinco, a acompanhar o Liverpool no resto daquela temporada 2008-2009. Me recordo que eles estavam em primeiro na tabela quando chequei pela primeira vez. Lembro-me daquela gloriosa vitória por 4 x 1 contra o Manchester United em pleno Old Trafford. E que acabaram terminando em segundo, com o mesmo Manchester United vencendo o campeonato. Isso me deixou um pouco desapontado, e acabei deixando o futebol de lado nos meses que seguiram.

2010 chegou, e foi aí que tudo mudou. Ganhei meu Xbox 360 e resolvi comprar o aclamado FIFA 10. Finalmente poderia ver aqueles jogadores quase pixelados do Nintendo DS de um modo realista e em alta resolução. E a parceria Steven Gerrard e Fernando Torres simplesmente destruía qualquer um que estivesse pela frente, com passes e gols inacreditáveis. Foi ali que eu comecei a me tornar um apaixonado pelo esporte, e então voltei a acompanhar o Liverpool. 2009-2010 não foi uma temporada fácil para os Reds, muito devido ao impacto negativo e imediato da saída do maestro Xabi Alonso para o Real Madrid e sem uma reposição a altura, com eles terminando o campeonato inglês em sétimo lugar e sendo eliminados na semifinal da Liga Europa pelo Atlético de Madrid em Anfield, jogo o qual me recordo de ver, especialmente graças a aquele gol do Forlan no fim da prorrogação que simplesmente acabou com as minhas esperanças. Quando a partida foi encerrada, lembro de pensar "é, agora é bem capaz de demitirem o Benítez". E demitiram mesmo.

Ao mesmo tempo, a Copa do Mundo estava se aproximando, comprei o álbum de figurinhas, e isso só me deixou ainda mais alucinado com futebol. Os jogadores que eu mais queria ter ali? Steven Gerrard e Fernando Torres, claro. Nesses dias eu passei a procurar mais sobre Steven Gerrard, sua vida como atleta, algumas das coisas que já havia dito, seus gols e lances mais marcantes. Fiquei embasbacado, tanto pelo profissional quanto pelo ser humano admirável. Me tornei fã do cara ali. Durante a Copa da África do Sul, fiquei feliz pelo seu gol que abriu o placar do primeiro jogo da Inglaterra na competição, e triste, especialmente por ele, quando os mesmos foram eliminados pela Alemanha, de uma forma até injusta, devido a aquele gol legítimo de Frank Lampard que foi desconsiderado pelo árbitro.


Alguns dos melhores gols e lances do Gerrard, incluindo o primeiro dele pelo Liverpool e o famoso "YA BEAUTY!"

Se 2009-2010 não foi fácil, 2010-2011 foi ainda pior. Mascherano saiu para o Barcelona, Fernando Torres não estava rendendo, o técnico Roy Hodgson estava se mostrando cada vez mais abaixo do medíocre, e os donos do clube estavam acabando com ele, de modo que o mesmo estava a beira da falência. O único que podia trazer alguma esperança era o capitão Gerrard, que estava jogando fora de sua melhor posição e rendendo abaixo do esperado. Tudo começou a mudar quando um grupo chamado NESV (hoje conhecido por FSG - Fenway Sports Group) comprou o LFC e o salvou financeiramente. Tiraram Hodgson do comando da equipe e chamaram para seu lugar Kenny Dalglish, uma lenda-viva e um dos melhores jogadores que já passou pelo time na história. Contrataram o atacante Luis Suárez para protagonizar uma dupla de ataque com Fernando Torres. Mas aí veio outro baque: o espanhol pediu para ser transferido para o Chelsea. A parceria Gerrard-Torres, de tanto sucesso, havia chego ao fim. E eu fiquei bem triste na época, mas foi algo que durou pouco, já que fomos presenteados com algumas partidas fantásticas do atacante uruguaio (como esquecer o "Showárez" daquele 3 x 1 contra o Manchester United em Anfield?). No fim, o Liverpool conseguiu resgatar sua temporada do perigo e trouxe alguma esperança para os torcedores.

O que veio a seguir, porém, não foi exatamente o esperado. 2011-2012 foi inconstante para o clube, com contratações que não deram certo, performances abaixo do esperado, polêmicas envolvendo Suárez e muitas lesões, inclusive para Gerrard, que ficou cerca de metade da temporada de fora. Quando voltou a campo, passou a receber algumas críticas por não estar rendendo como antes, algo que ocorreu tanto por esses problemas físicos quanto pela idade. E, apesar da equipe ter sido campeã da Copa da Liga Inglesa, acabou terminando em oitavo no campeonato, o que culminou na rescisão mútua de Dalglish. Seu sucessor, o jovem Brendan Rodgers, ex-técnico do Swansea, também enfrentou algumas dificuldades no começo de 2012-2013, com muita instabilidade e a saída de jogadores mais antigos, como Dirk Kuyt e Maxi Rodríguez, mas as coisas melhoraram com o impacto instantâneo dos jovens Daniel Sturridge e Philippe Coutinho, além de uma melhora absurda nas participações de Luis Suárez. No fim, o Liverpool terminou em sétimo lugar, com o uruguaio suspenso após morder o zagueiro Ivanovic, e o lendário zagueiro veterano Jamie Carragher se aposentando.

A temporada seguinte, 2013-2014, é uma que jamais esquecerei. A primeira metade foi convincente e boa o suficiente para botar o time entre os 4 primeiro lugares do campeonato no momento, com a participação fantástica de Sturridge, o bom desempenho da equipe e o impacto imediato de Suárez após o fim de sua suspensão, que o fez voltar melhor e com mais sede de vitória do que nunca. Mas o que aconteceu entre janeiro e abril de 2014 foi inexplicável. O Liverpool estava jogando seu melhor futebol em anos, com o trio Sturridge-Suárez-Sterling sendo fulminante, Coutinho com ótimos passes e visão, Henderson sendo o motor do time e ele, Steven Gerrard, em sua melhor forma após muito tempo, jogando como primeiro volante e contribuindo absurdamente com assistências em jogadas de bola parada e gols de falta e pênalti. Foi algo sublime, além desse mundo, e minha emoção como torcedor (mais do que consolidado no momento) era algo imensurável. Foram 13 vitórias seguidas que colocaram o Liverpool no topo da tabela. Com pelo menos mais duas vitórias e um empate nos próximos três jogos, a equipe seria campeã. E, com essas performances recentes cada vez mais impressionantes, o pensamento dos torcedores era unânime: o Liverpool Football Club ganharia o seu 19º campeonato inglês, após 24 anos desde a última conquista.

O discurso do capitão após a vitória contra o Manchester City. Um dos melhores, mais tocantes e inesquecíveis momentos da última temporada.

Entretanto, existe uma coisa que rege nosso Universo chamada "Lei de Murphy", a qual diz "o que puder acontecer, vai acontecer". E aconteceu, contra os torcedores do Liverpool, os jogadores, a comissão técnica, a diretoria. E, em especial, contra ele, o veterano capitão Steven Gerrard. Naquele 27 de abril de 2014, contra o Chelsea em pleno Anfield, ele foi dominar a bola, escorregou no gramado úmido, perdeu a posse, o atacante Demba Ba disparou e marcou o gol dos Blues de Londres, que voltaram a marcar no final da partida. Em toda minha vida como torcedor, aquele foi, sem dúvida, o momento mais triste. As chances de título foram pelo ralo, justamente por um simples e humano erro daquele que menos parecia humano (e mais parecia algo além) para os fãs e que dificilmente errava. Justamente um erro daquele que sempre trabalhou por essa conquista, e sem dúvidas era quem mais ansiava por ela. As outras duas partidas foram um empate e uma vitória, o que bastou para ver o Manchester City campeão e o time de Merseyside encerrando a campanha com o segundo lugar.

Aí veio a Copa do Mundo no Brasil. E Steven Gerrard esteve em terras tupiniquins, junto com seus companheiros da seleção inglesa para disputar a competição. Ele estava animado, pois nunca havia ganho nada com a Inglaterra e sabia que essa poderia ser sua última chance. E os ingleses acabaram, como sabemos, eliminados. Na fase de grupos. Com um gol de ninguém menos que Luis Suárez, seu companheiro de clube, com quem também fizera uma parceria invejável. O uruguaio dominou um lançamento em suas costas, saiu correndo como um maníaco e fez o gol que manteve a Celeste viva na disputa para a classificação. E que encerrou outro sonho do capitão britânico. No jogo seguinte, o uruguaio acabou mordendo o zagueiro italiano Chiellini e foi banido do esporte por 4 meses.

E então chegamos à temporada atual, 2014-2015. Suárez foi vendido ao Barcelona, e o Liverpool contratou vários outros jogadores com o dinheiro recebido, os quais falharam ou demoraram para se adaptar, tendo como consequência uma série de resultados inconstantes e abaixo da média, que não faziam jus ao futebol apresentado na primeira metade de 2014. E, junto a isso, tivemos Gerrard, que se aposentou da seleção, errando na marcação como volante, não acertando mais uma jogada ensaiada sequer e mostrando uma fragilidade jamais vista antes. Ele sentiu essas duas derrotas seguidas psicologicamente, e a idade dessa vez parece ter pego-o de jeito, acabando com sua agilidade e pensamento afiado. Para piorar, torcedores rivais começaram a cantar sobre sua escorregada, e as críticas, que haviam quase sumido nos últimos meses, voltaram. E, mesmo com algumas boas performances jogando como meia-atacante/segundo-atacante, posição em que demonstrou sua melhor forma, não foi o suficiente para amenizar a torcida, já que, mesmo com uma melhora significativa em seu jogo, o time não estava conseguindo responder com placares favoráveis.


He'll pass the ball 40 yards. He's big and he's fuckin' hard. Steve Gerrard, Gerrard!

Isso nos leva à data de ontem, 1º de janeiro de 2015. Após mais uma partida abaixo do esperado, o Liverpool acabou desperdiçando uma vantagem de dois gols e empatando com o Leicester City em 2 x 2. Após a má reação dos torcedores ao resultado, surgiu, de uma fonte que desconheço, o rumor de que Steven Gerrard deixaria os Reds ao fim da temporada e iria jogar a Major League Soccer, o campeonato estadunidense. De início, não dei muita importância, pois essas coisas aparecem direto. Contudo, eu não esperava que o rumor ganhasse a força que ganhou, até que alguns jornalistas importantes ligados ao clube o confirmaram e disseram que um anúncio seria feito pelo clube na manhã seguinte. Simplesmente não queria acreditar nisso.

Quando eu acordei hoje e vi o comunicado oficial de que Gerrard não renovará seu contrato e deixará o clube ao fim da temporada, nossa... Eu não sabia o que dizer, fazer ou pensar. Eu tenho em mente que isso é algo positivo para o LFC, pois vai livrar a folha de pagamentos de um salário pesado e isso vai possibilitar a vinda de alguém mais novo, menos caro e que contribua mais para o time do que ele ultimamente. Mas simplesmente não dá pra pensar tão friamente no momento. Não quando se trata de Steven Gerrard, o capitão, o sr. Liverpool.

Por que eu escrevi tudo isso até chegar aqui? Eu não sei. Talvez pra mostrar que, apesar de todas as dificuldades, problemas e mudanças, Gerrard sempre foi uma constante no Liverpool, jogando bem, mal ou estando afastado por lesões. E isso já vem de muito antes de eu começar a acompanhar futebol: são 17 anos jogando pelo mesmo time, em que ele conquistou, com exceção do maldito campeonato inglês, todos os títulos possíveis. Ele foi, e ainda é, o coração da equipe, o líder, a inspiração. Após a última partida de 2014-2015, porém, isso acabará. E fará uma falta absurda, como foi possível ver nas inúmeras reações de torcedores, companheiros, ex-companheiros, jornalistas e analistas do esporte. E como foi possível observar nesta singela homenagem, que mostrou um pouco do impacto do time e do jogador em minha própria vida.

Ah, o beijo na câmera... Uma das comemorações mais icônicas, reservada especialmente para um dos estádios mais famosos do mundo: o Old Trafford.

Que se danem Pelé, Maradona, Ronaldo, Messi, Cristiano Ronaldo, Zidane, Figo, Beckham e afins. Que se danem (com meu imediato pedido de perdão) até Dalglish, Barnes, Rush e Fowler. Steven Gerrard é o melhor jogador que já vi jogar. Meu jogador preferido. Um verdadeiro ídolo. Toda sua lealdade, confiança, liderança e qualidade são verdadeiras inspirações para mim. Ele fez conseguiu o impossível, continuou acreditando quando tudo parecia perdido e acabou marcando a história com algumas das mais incríveis participações em jogos decisivos. E seus atos serão lembrados por gerações. Oh captain, my captain.

Obrigado, Steven Gerrard. Por todos os seus fiéis anos de serviço pelo Liverpool Football Club. Por sempre trazer alegrias aos torcedores, mesmo nos momentos mais difíceis. Por ter dado tudo de si ao longo de 17 anos. Por nunca ter deixado de acreditar até o fim. Por ter sido, além de jogador, um torcedor. E por ter me feito gostar mais de futebol e do próprio Liverpool, tendo tudo começado graças a uma versão virtual tosca e pixelada de você. Todos esses feitos, momentos e partidas marcantes jamais serão esquecidos por mim, que, um dia, espero poder dizer com orgulho para filhos e netos que vivi para ver Gerrard jogar. E como ele jogava.

You'll Never Walk Alone, Steven George Gerrard, Liverpool's number 8.