O Rush pode não existir mais, mas seu legado segue vivo. E não há ninguém mais orgulhoso do que eles deixaram para trás do que o vocalista e baixista Geddy Lee, cofundador da banda em Toronto no ano de 1968.
Lee se sentou com a revista Prog para relembrar 10 de seus melhores álbuns, desde a estreia autointitulada muito inspirada no Led Zeppelin até o canto do cisne em 2012, Clockwork Angels. Foi uma emocionante jornada, com altos e baixos, e ele respira fundo antes de começar...
Rush (1974)
O álbum de estreia, e o único do Rush com a formação Alex Lifeson (guitarra), Geddy Lee (baixo/vocal) e John Rutsey (bateria)
Geddy Lee: "Este disco foi a gente tentando encontrar uma sonoridade, achando que gostaríamos de ser uma banda de hard rock e emulando aquelas que achávamos legais. Consigo ouvir Led Zeppelin ali, e um pouco de Humble Pie. Gostaria de poder ouvir mais do que apenas essas duas referências, mas não consigo. John Rutsey era um baterista meio no estilo de Simon Kirke - só cuidar da batida e já podemos tocar. Então foi assim que as músicas foram compostas.
"Nós gravamos o álbum com um produtor chamado David Stock, mas o resultado sinal soou tão ruim que tivemos que refazê-lo com Terry Brown, que veio a se tornar nosso principal produtor. Adicionamos mais músicas nessa segunda versão, e uma delas era Finding My Way, que acabou se tornando uma das mais importantes faixas do álbum - verdadeiramente roqueira.
"E a música que realmente fez com que chamássemos a atenção foi Working Man. Ainda havia estações de rádio nos EUA sem uma programação estritamente controlada na época, e os DJs podiam apresentar faixas mais longas. Working Man tinha sete minutos de duração, e a quantidade de vezes que ela foi tocada acabou fazendo com que assinássemos um contrato com a Mercury Records. Foi uma canção com impacto incrível."
Fly By Night (1975)
No segundo álbum, Rutsey estava fora e Neil Peart estava dentro, como baterista e compositor. Também estava a bordo um estilo de rock mais progressivo.
Geddy Lee: "Nós tínhamos uma música escrita antes de Neil entrar - Anthem. Era algo mais arriscado do que qualquer coisa no primeiro álbum, tocada em um tempo de batida pouco comum. Foi o tipo de composição que convenceu John de que talvez isso não fosse para ele. Então, um ponto de virada para o grupo.
"Não era a ideia inicial de Neil escrever as letras. Eu e Alex sempre forçávamos ele a tentar porque não queríamos ter de cuidar disso. Mas acabou funcionando muito bem para nós.
"Beneath, Between & Behind foi um momento-chave em Fly By Night. Foi uma das primeiras letras que Neil compôs para a banda. Talvez tenha sido a primeira letra que ele escreveu na vida, ponto. Ela era bem prolixa, difícil de cantar, mas Alex e eu colocamos um instrumental fervoroso atrás dela e foi ótimo.
"By-Tor & The Snow Dog foi nossa primeira música épica. As pessoas odiaram o título: 'Ah meu Deus, que pretensioso!' Mas ela foi nomeada em homenagem aos dois cachorros do nosso empresário. Uma piada boba. E assim, de uma forma estranha, uma das principais canções do Rush começou como comédia."
2112 (1976)
A obra-prima que salvou a carreira do trio, definida por sua controversa faixa-título de 20 minutos com ares de ficção científica existencialista.
Geddy Lee: "Nosso terceiro álbum, Caress Of Steel (1975), não foi capaz de estabelecer uma conexão com o público. Ele era tão experimental, com nossa primeira tentativa de uma faixa-conceitual que ocupava um lado inteiro de um LP, The Fountain of Lamneth. Era tudo muito obscuro. Caress Of Steel não teve boa repercussão, e a gravadora não estava contente conosco. Então nós estávamos basicamente brincando com fogo naquele ponto.
"A última coisa que esperávamos era que 2112 fosse bem-recebido porque a faixa-título era outra que ocupava todo um lado do LP. Mas havia algo no som de 2112 que dava uma sensação muito mais definitiva e consolidada a ele.
"A história de 2112 era muito anti-autoritarismo. Era completamente sobre liberdade - individual e criativa - e eu fiquei em choque quando a NME nos chamou de neofascistas. Isso é algo tão longe da realidade. É loucura.
"Mas no fim, o álbum realmente nos salvou. Trouxe muitos fãs novos. E o lado B realmente dá fechamento para o trabalho. A Passage To Bangkok, Something For Nothing, The Twilight Zone - são músicas de rock muito boas. E isso acabou se tornando um marco para nós, ter esse tipo de diversidade em todos os discos."
A Farewell To Kings (1977)
Indo totalmente contra a maré, este foi um colosso do rock progressivo criado no ano em que o punk estourou. Xanadu, Cygnus X-1, pássaros cantando: está tudo aqui.
Geddy Lee: "Era um sonho para nós gravar um álbum na Grã-Bretanha. Muito da música que nos influenciou enquanto crescíamos era blues rock britânico e rock progressivo britânico. Nós havíamos feito nossa primeira turnê no Reino Unido em 1977, e com Terry Brown sendo um britânico vivendo em Toronto, eu perguntei, 'Por que nós não gravamos por lá?' E foi assim que fomos parar nos Estúdios Rockfield em Gales.
"Nós ficamos muito embasbacados, então foi uma grande aventura gravar no interior galês. Tudo parecia muito rústico, especialmente durante as primeiras semanas, com o som de ovelhas balindo em sua janela ao amanhecer. Mas amamos trabalhar por lá, ir aos campos para capturar os sons ambientes que vocês ouvem em Xanadu e A Farewll To Kings - o eco natural das paredes de pedra, e os pássaros cantando ao nascer do sol.
"Xanadu foi gravada toda de uma vez só - 11 minutos, direto. Desde que nos preparássemos, podíamos fazer esse tipo de coisa. E Cygnus X-1 foi um mergulho de cabeça no espaço sideral - um tipo totalmente diferente de viagem."
Permanent Waves (1980)
Depois do longo e complexo Hemispheres de 1978, Rush entrou na nova década com um novo som, completo com o hit The Spirit Of Radio.
Geddy Lee: "Nós sentimos que realmente estávamos começando a parecer formulaicos com Hemispheres, e isso era assustador. A faixa que abria o álbum (Cygnus X-1 Book II: Hemispheres) era como 2112, com quase 20 minutos de duração, e não queríamos ficar nos repetindo.
"Com Permanent Waves, queríamos mais urgência em nosso som, no que diz respeito à empolgação - um tipo diferente de energia. Ainda tínhamos músicas como Natural Science, que é uma das minhas faixas favoritas em toda nossa história. Mas nossa intenção com o disco era realmente condensar nossa sonoridade e tentar ser compositores melhores.
"The Spirit Of Radio deu o tom a todo o registro. Ela era tão pra cima e tão contemporânea. A música é sobre a comercialização da música e como o rádio estava mudando. O riff de Alex representava o movimento das ondas de rádio. E a forma como a canção vai se modificando, entre diferentes estilos e tempos, foi feito para soar como se você estivesse mudando as estações.
"O álbum nos levou a um novo período, e tudo pareceu muito natural."
Moving Pictures (1981)
O maior e melhor álbum do Rush, contendo as clássicas Tom Sawyer, Limelight, Red Barchetta e YYZ. Mas foi difícil acertá-lo...
Geddy Lee: "Moving Pictures foi um disco enorme para nós. Aquele nível de sucesso era muito acima de qualquer coisa que havíamos vivido antes. Mas tivemos muitos 'momentos' com esse trabalho - foi bem difícil de finalizá-lo.
"Duas músicas foram tranquilas de serem compostas: Limelight e Red Barchetta, que era tão boa de se tocar ao vivo. Tom Sawyer foi o contrário, ganhando vida tardiamente. Tivemos tanto trabalho em ajustar os solos de guitarra e balancear o final. Mas depois de tanto sofrimento, acertamos em cheio e se tornou algo muito poderoso. Nos ficamos meio que, 'Cacete, de onde veio isso?'
"Nós nos divertimos muito com Witch Hunt [parte três de 'Fear']. Embora seja uma música sombria, ela envolveu tanta besteira. Para gravar os sons das multidões, nós três saímos para o estacionamento do estúdio no frio congelante do inverto. Mas na noite em que mixamos a música, soubemos da notícia de que John Lennon havia sido baleado. Ficamos todos em choque, muito chateados. É algo que jamais esquecerei."
Power Windows (1985)
Em um álbum brilhante, dominado por teclados, um guitarrista insatisfeito levou uma pelo time.
Geddy Lee: "Tivemos esse período nos anos 80 - a era dos teclados. Começou com Signals (1982), e foi até Hold Your Fire (1987). Acho que Power Windows é o melhor desse período. Eu amo a qualidade do som. Mas para Alex foi um disco frustrante de se fazer. E eu não tinha ideia do quão sofrido foi para ele até depois de encerrar as gravações.
"Eu estava tocando teclado, e também trouxemos Andy Richards, um especialista em sintetizadores bem respeitado. Então estávamos cobrindo as faixas com som, e Alex teve que lutar por seu espaço ali. Ele não surtou - não é de seu feitio. Ele joga pelo time, então seguiu com a corrente. Foi apenas depois de terminarmos que ele expressou suas frustrações.
"Claro que, olhando para trás, eu posso entender completamente. Mas no geral, há um bom equilíbrio entre músicas de destaque para guitarra como The Big Money e de predomínio de teclados como Middletown Dreams, uma bela canção. E em Mystic Rhythms, tudo gira em torno do riff de guitarra. Sério, Alex tocou de forma incrível em Power Windows. É algo evidente no decorrer do disco."
Roll The Bones (1991)
Mais guitarras, e ótimas músicas: os fatores-chave no melhor álbum da banda no início dos anos 90.
Geddy Lee: "Havia algumas boas músicas em Presto (1989). The Pass é de longe uma das melhores coisas que já escrevemos. Mas as composições foram tão mais fortes em Roll The Bones.
"Era definitivamente um álbum com mais foco na guitarra. Nós pisamos um pouco no freio com os teclados. Eles ainda estavam ali, mas não com tanta evidência quando em Presto e nos trabalhos anteriores, Power Windows e Hold Your Fire.
"Para mim, em retrospecto, a produção de Roll The Bones deixou um pouco a desejar. Ele poderia ter soado maior e mais consistente. Mas acho que o que garantiu o êxito do trabalho é a qualidade das músicas. Bravado é uma faixa tão bem escrita. O mesmo vale para Dreamline, e Ghost Of A Chance - que eu amo.
"O álbum como um todo representa um verdadeiro amadurecimento para nós como compositores. E a faixa-título cresceu muito com o tempo. Tocamos ela na nossa última turnê, em 2015, e foi uma sensação diferente, mais profunda. Ela soa mais forte atualmente, e eu pude sentir isso na forma que o público reagiu."
Vapor Trails (2002)
O álbum de retorno. Em 1998, após a morte de sua esposa e filha, Neil Peart disse a Lee e Lifeson para considerá-lo aposentado. Cinco anos depois, ele e o Rush voltaram à ativa.
Geddy Lee: "Sem dúvidas, Vapor Trails foi o disco mais difícil que fizemos. Eu não achava que voltaríamos e gravaríamos outro álbum. E foi muito difícil - uma época de muita emoção.
"Tivemos que redescobrir como trabalhar juntos, e sempre sendo razoáveis com a situação de Neil. Sua confiança teve que voltar lentamente. Tínhamos que dar espaço a ele e, ao mesmo tempo, encorajá-lo.
"O processo de composição foi bem inseguro, eu diria. E no que diz respeito às letras de Neil, era uma questão sensível. Ghost Rider e a faixa-título, ambas foram bem pessoais para Neil. Estávamos tentando achar a balança entre deixar Neil expressar o que passou e forçar as letras a um nível mais universal, de modo que se tornasse uma declaração válida sobre a vida, ao invés de apenas sobre uma pessoa.
"Tanta emoção crua acabou indo para Vapor Trails, e ele foi um disco que soou cru. Mas conseguimos superar isso. E era tudo o que importava."
Clockwork Angels (2012)
O clássico do final da carreira. O 19º trabalho de estúdio da banda foi de fato o que todo fã do Rush sonhou por muito tempo - um álbum conceitual do início ao fim.
Geedy Lee: "Nunca entrou em nossas mentes que este talvez fosse nosso último álbum - estávamos tão empolgados em fazer algo conceitual novamente. Mas tomamos cuidados para que ele não soasse tão progressivo. Nós quisemos mantê-lo moderno: bem diverso, cheio de música e melodias fortes, mas que ainda abalasse estruturas.
"A história que Neil criou para Clockwork Angels é fantástica. Essencialmente, é sobre inocência - um jovem que vai para o mundo, como todos fazemos. Ele é enganado e trapaceado, mas no fim chega a conclusão de que, independente das coisas tolas que fez durante a vida, ele faria tudo novamente, e que valeu a pena.
"Nós não queríamos que o som fosse escravo do enredo. Queríamos que as músicas parecessem levemente conectadas umas às outras, mas que também tivessem vida própria fora do conceito. Essa foi a parte mais difícil. Mas no fim conseguimos. É um dos melhores registros musicais que já criamos."
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Este texto é uma tradução integral do original em inglês, escrito por Paul Elliot e publicado no Louder. Você pode conferi-lo aqui: https://www.loudersound.com/features/rush-s-career-in-10-albums-by-geddy-lee