segunda-feira, 16 de abril de 2018

[RESENHA] "Um Lugar Silencioso" (2018)


O cinema se tornou algo barulhento. Os grandes blockbusters são feitos de tiros, explosões, motor de veículos roncando e tudo mais o que as equipes de efeitos e mixagem de som forem capazes de criar ou capturar com precisão. O público paga cada vez mais caro por salas com o melhor equipamento sonoro disponível, para desfrutar de sua experiência com o mais alto grau de precisão. O que um dia já foi uma arte sequencial quieta, cujas falas eram mostradas em quadros estáticos e escritos após as cenas e as únicas marcações audíveis eram das músicas que compunham as trilhas, hoje é dominado por diálogos, discursos, gritos, ruídos, estrondos e composições que variam entre contidas e escandalosas. Não que tenhamos que voltar a fazer longas à moda antiga, pelo contrário: esta foi uma das alterações que mais favoreceu o meio, e temos que fazer o melhor uso possível dela. Mas é inegável que, em comparação ao passado, este é um dos pontos que mais mudou.

Um Lugar Silencioso (A Quiet Place no original) vai na contramão disso tudo e mostra que não é preciso exagerar nos efeitos audíveis para se colocar uma produção nas telas atualmente. Não que ele seja um filme mudo em pleno 2018, mas a ausência sonora calculada como principal mote da história transforma uma sala de cinema em um local quieto e, aproveitando-se da potência das caixas de som atuais, faz com que cada sussurro vire uma fala inteligível, cada corriqueiro barulho se torne um estampido e cada estouro seja como o bradar dos deuses do Olimpo.

A trama retrata a família Abbott tentando sobreviver em um mundo que foi devastado por monstros implacáveis e resistentes que são atraídos pelo som, e o segredo para manter-se vivo, como não poderia deixar de ser, é não fazer barulho. A atmosfera de tensão criada pelo diretor John Krasinski (conhecido por seu papel como Jim Halpert na versão estadunidense da série The Office) denuncia a urgência da situação vivida por aquelas pessoas de não poderem emitir um ruído sequer, algo impensável para os padrões de vida atuais, ao ponto de envolver o espectador na jornada do grupo e mantê-lo o mais quieto possível. E ele o faz por mais de 90 minutos.

A ausência sonora também permite a Krasinski brincar e experimentar com recursos visuais menos convencionais. Quando, por exemplo, as cenas são abordadas do ponto de vista da filha mais velha dos Abbott, que é surda, o som some por completo e o enfoque vai todo para a experiência sensorial do que é visível para a garota, uma experiência ao mesmo tempo sensível e agonizante. Também entra na equação da criatividade o uso da linguagem de sinais pela família para se comunicar, uma forma efetiva e silenciosa que é justificada pela condição especial auditiva da citada garota.

Em um mundo tão quieto, cada gesto físico é crucial para transmitir um sentimento ou pensamento, e é nesse ponto que o elenco mais se destaca. A atriz Emily Blunt, principal foco de Um Lugar Silencioso, deixa transparecer todo seu talento em uma atuação de muitas expressões, olhares e poucas palavras, fazendo com que a situação vivida por ela e sua família até pareça normal para a audiência (afinal, aquilo virou o normal para o grupo). O mesmo pode ser dito sobre os demais atores, John Krasinski (sim, ele também atua em seu filme) e os mirins Millicent Simmonds e Noah Jupe, que representam de forma natural a normalidade de suas vidas cotidianas em contraste com a intensidade e o absurdo do mundo que os cerca.

Fora a intensidade e a criatividade empregadas na confecção do longa, seu principal trunfo está na história que conta. Concebido como um terror por Bryan Woods e Scott Beck, o roteiro escrito por John Krasinski em parceria com a dupla deixa um pouco de lado os elementos do gênero em prol do suspense, do senso de urgência e do drama familiar. Em meio a sustos e desespero, há uma uma definida trama sobre perda, amor e a responsabilidade dos pais para com seus filhos, temas estes transmitidos com sensibilidade em especial por Krasinski e Emily Blunt, talvez por serem casados na vida real e conhecerem as preocupações na constituição de uma família, talvez pelo profissionalismo e qualidade de ambos os atores.

Dizem que as melhores obras de horror são aquelas que mais revelam sobre a natureza humana. Se isso é de fato verdade, Um Lugar Silencioso ganhou seu lugar nesse seleto rol. A abordagem de uma história sobre família em meio ao um mundo devastado, aliado ao clima tenso e a inventividade na ausência de recursos sonoros fazem do longa uma experiência como poucas no cinema e mais uma forte adição ao movimento de novo fôlego ao gênero de terror nas telas. Só não esqueça de respirar enquanto assiste ao filme, mas faça-o silenciosamente.

TRAILER: