quinta-feira, 12 de abril de 2018

[RESENHA] "Jogador Nº 1" (2018)


Não é de hoje que a cultura pop tem se pautado pela nostalgia. Há alguns anos que a indústria do entretenimento tem resgatado algumas de suas principais propriedades de sucesso em um passado não muito longínquo e as reformulando ou repaginando para apresentar a um novo público. O retorno de sucesso de franquias como Star Wars ou Jurassic Park/World não me deixa mentir. O movimento é atrelado principalmente às décadas de 1970 e 1980, vistas por muitos como o auge da produção cultural da sociedade (a veracidade ou não dessa crença é assunto para outro texto), de onde são tiradas estéticas, músicas e até mesmo referências a obras consagradas do período. Isso tudo fica escancarado se olharmos para filmes como Thor: Ragnarok, os dois Guardiões da Galáxia ou para a série fenômeno da Netflix Stranger Things, apenas para citar alguns exemplos. Goste ou não, há uma espécie de retroalimentação, quase uma autofagia, conduzindo o cinema e a televisão, e embora isso pareça legal e divertido em primeiro momento, pode vir a ser muito prejudicial em um futuro próximo, minando a criatividade e realizando produções que acham possível se sustentar por aquilo que é raso, superficial e que deveria ser das menores preocupações do público.

Culminando disso tudo, temos Jogador Nº 1. O best-seller do autor Ernest Cline foi escrito antes de tudo isso se iniciar, com lançamento em 2011. Nele, o escritor colocou tudo o que cresceu amando, referenciando a filmes, séries, games, quadrinhos, livros e música (especialmente Rush, com um trecho inteiro dedicado à faixa 2112). Cline nasceu em 1972, tendo vivido sua infância durante os anos 1970 e a juventude durante a década 1980, ou seja, a maior parte das referências que aparecem na obra são destes períodos. Talvez estejamos diante do marco zero de todo esse movimento nostálgico que afetou a cultura pop atual (mas, novamente, isso é assuntou para outra postagem). O fato é que, devido ao potencial do material dentro de toda essa onda, o livro ganhou uma adaptação para o cinema, que chegou às salas de exibição brasileiras no último 29 de março e com lançamento mundial no dia seguinte.

A transposição entre mídias neste caso era um movimento arriscado, pois a chance do conteúdo se perder em um emaranhado de referências visuais era enorme. O homem certo encabeçou o projeto, no entanto: Steven Spielberg, auxiliado pelo roteiro de Zak Penn e do próprio Ernest Cline, soube equilibrar a balança e ir além do superficial, entregando um filme que, mais que uma homenagem aos clássicos da década de 1980, é uma aventura pura, que entretém, tem coração e faz jus aos grandes longas da época, encontrando espaço até mesmo para pontuar uma ou outra crítica, seja à desigualdade social ou à ultradependência tecnológica.

A trama se passa no ano de 2045 e apresenta o planeta em um triste cenário de crescimento demográfico descontrolado, no qual as pessoas desistiram de resolver os problemas e, para escaparem da realidade, conectam-se à OASIS, uma enorme simulação que mistura a ficção e a fantasia com a percepção humana através do uso de equipamentos de realidade virtual, cujo criador James Halliday (Mark Rylance) veio a falecer deixando um último desafio aos usuários: aquele que encontrasse primeiro três chaves escondidas naquele mundo herdaria sua criação, sua empresa e sua fortuna. É nesse cenário que encontramos Wade Watts (Tye Sheridan), jovem que vive na cidade de Columbus, Ohio (uma das de maior população naquele momento), junto de sua tia no que parece uma versão mais avançada das favelas que conhecemos. Dentro da OASIS, ele é conhecido como Parzival e é um dos principais caçadores dos itens deixados por Halliday. Sua busca logo cruza os caminhos de outros jogadores, como Aech (Lena Waithe), Art3mis (Olivia Cooke), Daito (Win Morisaki) e Sho (Phillip Zhao), ao mesmo tempo que tem que lidar com os contratados da IOI e o CEO da empresa, Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), todos com o mesmo objetivo.

A aventura vivida por Wade e seus aliados segue a estrutura básica da jornada do herói, muito embora a grande conquista do grupo, no fim, esteja na relação desenvolvida por eles, seja dentro ou fora da OASIS. As situações que o grupo vivencia, seja na resolução dos desafios para encontrar as três chaves ou nos riscos que enfrentam no mundo real, acaba por uni-los e estabelecer laços duradouros, algo que fica claro durante os acontecimentos do desfecho. Muito disso chega a ser palpável através da química existente entre o quinteto, ainda que só os vejamos em suas versões virtuais na maior parte do tempo. O vilão vivido por Mendelsohn, ainda que dentro do cliché do "corporativista malvado", também convence e faz a história girar, mais uma vez dando oportunidade ao ator de demonstrar seu talento na tela.

Grande parte do apelo de Jogador Nº 1 reside, porém, no apelo visual. A projeção do mundo para 2045 é plausível dentro do universo do longa, com os avanços tecnológicos sofrendo uma estagnação após o advento da OASIS, não diferindo muito do que já temos acesso hoje. As "pilhas", um amontoado de trailers e contêineres empilhados que muito se assemelham às favelas brasileiras, também são uma realidade possível em um cenário de descontrolado crescimento populacional e aumento da disparidade de renda. Mas o grande destaque é, como não poderia deixar de ser, na OASIS. As cenas dentro da simulação são todas feitas através de computação gráfica, e todos os personagens foram criados através de um intenso processo de captura de movimentos, garantindo assim uma expressividade autêntica a eles. O desenvolvimento de todo esse universo próprio através de efeitos especiais também permite a Spielberg a ousar nas cenas de ação, que são dignas dos games de maior sucesso. E claro, por ser um mundo virtual, a customização dentro da OASIS abre a porta para um infinitude de referências, de um jeito que algumas vezes beira o impossível identificar todas. As que servem algum propósito à história, no entanto, provavelmente foram escolhidas a dedo e são o deleite do espectador.

A parte sonora do filme também colabora para a imersão na experiência, e o uso dos efeitos originais de muitas das propriedades que ali aparecem dão o ar de autenticidade necessário ao vivido dentro daquele imenso jogo digital. A trilha sonora, como esperado, é muito calcada em sucessos das décadas de 1970 e 1980, com direito a artistas como Van Halen, Joan Jett, Bee Gees, Tears For Fears, Blondie, Prince, Hall & Oates etc. As composições originais, por sua vez, ficaram ao encargo de Alan Silvestri, que traz a carga certa de aventura oitentista ao longa e ainda se permite usar trechos de outros famosos trabalhos de sua autoria, como é o caso do tema da trilogia De Volta Para o Futuro.

Jogador Nº 1 colocou Steven Spielberg novamente em contato com suas raízes e fazendo aquilo que sabe de melhor: uma aventura clássica, assim como várias daquelas que dirigiu ou produziu no auge de sua carreira durante os anos 1980. A repaginação da fórmula de sucesso acaba por agradar tanto a nova geração quanto os mais nostálgicos, sendo um produto que não tem medo ou vergonha de entreter do início ao fim. O festival de referências certamente colaboram para prender a atenção de uma determinada parcela mais saudosista do público, mas o longa não se resume a isso e entrega uma diversão honesta e até mais inteligente que o esperado. Entretanto, talvez seja a hora de Hollywood parar e pensar no caminho que suas produções estão tomando. Talvez dessem encontrar um novo rumo e deixar essa onda oitentista e de alusões ao passado de lado. Até porque, depois desse filme, é bem capaz que todas as combinações possíveis já tenham sido feitas.

TRAILER: