quarta-feira, 15 de março de 2017

Às vezes eu tenho vontade de desistir dos quadrinhos da Marvel


Todo mundo gosta da Marvel hoje em dia. Seu Universo Cinematográfico estabeleceu um novo patamar de integração e fidelidade com o material fonte, suas elogiadas séries na Netflix trouxeram uma abordagem mais adulta e violenta para alguns de seus principais heróis urbanos, Agents of SHIELD segue agradando seus espectadores com muita competência, as animações são um grande sucesso entre o público infantil e o novo game dos Vingadores tem tudo para dar certo. O que a Casa das Ideias atingiu nos últimos anos alavancou sua popularidade e conseguiu atingir o grande público, fazendo com que super-heróis se tornassem mais populares do que nunca.

Mas há algo de errado com seus quadrinhos mais recentes. Muito errado, eu diria.

Vamos encarar o óbvio: todo ano a Marvel tem feito uma mega-saga cheia de crossovers que "abala" seu universo. Esses eventos são uma prática comum desde o lançamento de Guerras Secretas em 1985, mas há pelo menos 13 anos eles se tornaram algo anual que traz grandes consequências para todos os seus personagens. Citando apenas os últimos 5 anos, tivemos Vingadores vs. X-Men em 2012, Infinito em 2013, Pecado Original e Eixo em 2014, as novas Guerras Secretas em 2015 e Guerra Civil II em 2016. E não pense que 2017 ficará de fora: já foi anunciada a saga Império Secreto para o mês de maio, com a promessa de "abalar o universo Marvel". Sério, isso já ficou repetitivo demais. Toda vez a mesma promessa. E esse tipo de coisa só é prejudicial para a editora: com a exceção de Infinito e Guerras Secretas, todos os outros crossovers são tramas de qualidade duvidosa ou comprovadamente ruim e que, para piorar, prendem os gibis solos dos personagens a essas histórias e travam todo o desenvolvimento que vinha sendo feito.

Outro hábito irritante da editora, e que é basicamente uma consequência de seus megaeventos, é o relançamento periódico de toda sua linha editorial. Desde 2012, após Vingadores vs. X-Men, tivemos "iniciativas" que indicavam uma "nova visão" para seus gibis: começou com o Marvel NOW!, foi para o All-New Marvel NOW!, passou a ser All-New, All-Different Marvel pós Guerras Secretas e recentemente voltou ao Marvel NOW! (porque simplesmente acabou a criatividade), que nem sequer foi um relançamento completo, apenas colocou um #1 nas capas de algumas de suas séries que já vinham sendo publicadas e lançou alguns outros títulos com um #1 de fato. Tudo isso denota um fenômeno interessante: sempre que as vendas caem, a Marvel tem lotado o mercado com edições #1 de suas mais variadas HQs, apenas para, na teoria, retomar a liderança do mercado. Abaixo, um vídeo do canal 2quadrinhos que explica muito bem essa tendência e mostra o porquê de ela ser tão nociva:



Não dá para deixar de lado também as mudanças que vem sendo feitas em todo o elenco de heróis da Casa das Ideias, com Riri Williams, uma mulher negra, como Homem de Ferro, Jane Foster como a Thor, Sam Wilson como Capitão América, Kamala Khan como Ms. Marvel, Miles Morales como Homem-Aranha, Amadeus Cho como Hulk, Laura Kinney como Wolverine... Se por um lado todas essas substituições deram espaço à representatividade e temas sociais, além de terem expandido o conceito de legado na editora, por outro essas escolhas vem se mostrando um tiro pela culatra, tendo afastado muitos leitores antigos. Não porque eles são racistas ou machistas, mas apenas porque não se identificam mais com os personagens, com grande parte dos nomes com quem eles cresceram acostumados não estando mais em circulação. Legado é um conceito muito legal, assim como são as discussões sociais e a representatividade, mas a Marvel aplicou tudo isso de forma muito abrupta e justamente com seus maiores medalhões da atualidade. Esse é um dos grandes diferenciais da DC, que sempre soube trabalhar as passagens de manto de um modo preciso e que gera grandes frutos até hoje (vide Wally West).

O que mais dói, porém, é o tratamento que vem sendo dado ao Quarteto Fantástico e aos X-Men recentemente. A HQ da principal família de heróis do Universo Marvel foi encerrada em 2015, antes das Guerras Secretas, e a equipe teve seus membros espalhados por outros títulos como os Guardiões da Galáxia e os Inumanos, não havendo previsão para seu retorno. Os mutantes, por outro lado, vem sendo sucateados, colocados em uma posição de vilania e terrorismo, com péssimas fases assolando seus títulos e já sem suas principais lideranças, seja no Professor Xavier ou no Ciclope. É triste pensar na situação, já que as equipes são grandes marcos para a editora: enquanto o Quarteto foi o título que deu início a seu universo, em 1961, os X-Men foram um dos grandes responsáveis por sua popularização e sucesso ao longo dos anos, especialmente durante a década de 1980 e 1990. E tudo isso porque os direitos cinematográficos desses personagens estão com a FOX, algo que só aconteceu para evitar que a Marvel fosse à falência (!!!) em 1996. Ou seja: não fosse por isso, eles certamente não estariam na posição em que estão hoje.

Claro que ainda existem boas histórias sendo contadas na Marvel. Ms. Marvel, Visão de Tom King, O Velho Logan, a premiada Surfista Prateado, Champions, Viúva Negra e Os Vingadores de Mark Waid, Doutor Estranho e Thor de Jason Aaron, Demolidor de Charles Soule... Mas são títulos que não contam com os velhos medalhões do passado, e acabam se prejudicando em meio a todas essas estratégias malucas do editorial. E, quanto as vendas, a editora pode vir a criar uma nova crise na indústria se continuar com esse pensamento. Talvez seja hora da Casa das Ideias se organizar, olhar um pouco para o passado e reencontrar sua identidade. Foi o que a DC fez com o Rebirth, e não a toa hoje eles são um grande sucesso de críticas e vendas, superando a concorrente repetidas vezes desde então. É hora de parar de querer viver apenas do cinema e voltar a dar uma atenção especial a seus quadrinhos, já que, não fosse por eles, nada disso existiria.

A imagem de divulgação de "Império Secreto", a vindoura nova grande saga que promete "abalar o Universo Marvel". Mais uma vez.