Não, não esse Batman do Tom King...
Sou familiarizado com o Batman. Quando criança, assistia religiosamente a Batman - A Série Animada, brincava com os bonecos e ocasionalmente me fantasiava como o Morcego para fingir que estava combatendo o crime. Quando adolescente, fui marcado pelos longas da trilogia O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan e pelos dois primeiros títulos da série de games Batman: Arkham. Mais recentemente, como jovem adulto, passei a me dedicar mais aos quadrinhos do herói, tanto aos clássicos quanto a fases mais recentes. Ele sempre esteve, de alguma forma, presente em minha vida, me entretendo em muitos momentos e me ajudando em outros, se tornando um de meus personagens favoritos de toda a cultura pop.
Com o advento do DC Universe Rebirth, que zerou a numeração da maior parte das HQs da DC e iniciou novas fases com novas equipes criativas, passei a acompanhar, entre muitos outros, o título do Batman, agora publicado em periodicidade quinzenal. E devo confessar que a leitura das histórias tem me deixado desconfortável em certos momentos.
No bom sentido, é claro.
O roteirista Tom King publicou três ótimos arcos até agora, sendo eles I Am Gotham, I Am Suicide e o breve Rooftops, de apenas duas edições e que mais funciona como um epílogo do segundo. Com narrativa limpa e fluída, o escritor não poupa esforços para contar épicos, ao mesmo tempo que consegue fazer uso de figuras esquecidas da vasta galeria de vilões do Homem-Morcego e prestar sua homenagem a alguns icônicos momentos da história do herói.
O desconforto reside, porém, no tratamento dado ao desenvolvimento dos personagens. King sabe caracterizá-los da mesma forma que um maestro conduz sua orquestra, mas os trabalha de uma forma pouco convencional, beirando o intimismo. Sua personalidades são dissecadas, suas falhas são expostas e a humanidade de cada um deles chega a ser palpável.
Não são poucos os momentos em que isso ocorre: em I Am Gotham, temos o Batman reconhecendo suas limitações como ser humano e se solidarizando pela trágica perda de alguém, assim como um dia aconteceu com ele. No segundo arco, I Am Suicide, vemos Bruce e Selina Kyle se abrindo um para o outro, expondo as dificuldades que enfrentaram na vida, mostrando como elas os tornaram quem são e o porquê de isso fazer com que eles entendam um ao outro. E em Rooftops, observamos de modo quase invasivo todas as nuances do disfuncional relacionamento da Mulher-Gato com o Cavaleiro das Trevas, e como, a seu louco modo, ele funciona.
Tudo isso feito com sutileza e elegância, sem desvirtuar o tom das histórias e transformá-las em algo pesado, depressivo, ou, ainda pior, cínico e pseudo-realista. Tom King escreve o Batman do jeito que ele deve ser, mas também analisa toda a psique do herói e aqueles que o cercam, sem um tom crítico ou irônico, mas de um modo honesto e honroso que chega até a ser belo de ser lido.
A estranheza talvez esteja no fato de que não estou acostumado a ver personagens como esse escritos dessa forma. Super-heróis, principalmente os da DC, tem algo de mítico em sua própria existência, como se fossem parte de um panteão de deuses. Então, não é comum vê-los de uma forma tão falha, humana como vemos aqui. Provavelmente esse é justamente o objetivo do escritor: tirar o leitor da zona de conforto e apresentar algo novo, ao mesmo tempo que conta boas histórias. E deve ser por isso que vejo muita gente reclamando da atual fase, acostumados com a abordagem menos ousada apresentada nas histórias de Scott Snyder e Greg Capullo, por mais que essa run tenha seus próprios, mas diferentes, méritos.
Esse tipo de abordagem não é incomum para King: outras de suas obras, como as elogiadas Visão e Sheriff of Babylon, também trazem esse aspecto psicológico de seus personagens. Mas o que ele vem fazendo em Batman nos ajuda a compreender e se aproximar desses ícones tão famosos de um modo que poucos roteiristas conseguiram, ao mesmo tempo que consegue prestar suas homenagens, revitalizar muitos aspectos e, acima de tudo, contar grandes histórias. E é isso que faz desse um dos títulos essenciais da DC no momento.
O Detetive e seu próprio Esquadrão Suicida, formado pela Mulher-Gato, Ventríloquo, Punch e Jewelee, e o Tigre de Bronze. Arte da capa de "Batman" #10, por Mikel Janín.
O desconforto reside, porém, no tratamento dado ao desenvolvimento dos personagens. King sabe caracterizá-los da mesma forma que um maestro conduz sua orquestra, mas os trabalha de uma forma pouco convencional, beirando o intimismo. Sua personalidades são dissecadas, suas falhas são expostas e a humanidade de cada um deles chega a ser palpável.
Não são poucos os momentos em que isso ocorre: em I Am Gotham, temos o Batman reconhecendo suas limitações como ser humano e se solidarizando pela trágica perda de alguém, assim como um dia aconteceu com ele. No segundo arco, I Am Suicide, vemos Bruce e Selina Kyle se abrindo um para o outro, expondo as dificuldades que enfrentaram na vida, mostrando como elas os tornaram quem são e o porquê de isso fazer com que eles entendam um ao outro. E em Rooftops, observamos de modo quase invasivo todas as nuances do disfuncional relacionamento da Mulher-Gato com o Cavaleiro das Trevas, e como, a seu louco modo, ele funciona.
Tudo isso feito com sutileza e elegância, sem desvirtuar o tom das histórias e transformá-las em algo pesado, depressivo, ou, ainda pior, cínico e pseudo-realista. Tom King escreve o Batman do jeito que ele deve ser, mas também analisa toda a psique do herói e aqueles que o cercam, sem um tom crítico ou irônico, mas de um modo honesto e honroso que chega até a ser belo de ser lido.
O Morcego e a Gata na capa de "Batman" #15, por Mitch Gerads.
A estranheza talvez esteja no fato de que não estou acostumado a ver personagens como esse escritos dessa forma. Super-heróis, principalmente os da DC, tem algo de mítico em sua própria existência, como se fossem parte de um panteão de deuses. Então, não é comum vê-los de uma forma tão falha, humana como vemos aqui. Provavelmente esse é justamente o objetivo do escritor: tirar o leitor da zona de conforto e apresentar algo novo, ao mesmo tempo que conta boas histórias. E deve ser por isso que vejo muita gente reclamando da atual fase, acostumados com a abordagem menos ousada apresentada nas histórias de Scott Snyder e Greg Capullo, por mais que essa run tenha seus próprios, mas diferentes, méritos.
Esse tipo de abordagem não é incomum para King: outras de suas obras, como as elogiadas Visão e Sheriff of Babylon, também trazem esse aspecto psicológico de seus personagens. Mas o que ele vem fazendo em Batman nos ajuda a compreender e se aproximar desses ícones tão famosos de um modo que poucos roteiristas conseguiram, ao mesmo tempo que consegue prestar suas homenagens, revitalizar muitos aspectos e, acima de tudo, contar grandes histórias. E é isso que faz desse um dos títulos essenciais da DC no momento.
Desconforto nem sempre é sinônimo de algo ruim. As vezes é bom sentir-se desconfortável se for para sair do lugar comum. É isso que Tom King vem fazendo com o Batman, e eu espero que ele continue assim até o fim de sua estadia como roteirista do personagem.
Breve, em "Batman" #16... (arte por David Finch)