terça-feira, 20 de dezembro de 2016

ANALISANDO - "ROGUE ONE: UMA HISTÓRIA STAR WARS" (2016)


Ah, Star Wars... Mais um fim de ano chegou, e junto a ele, pela primeira vez na história, um novo filme da franquia chegou ao cinemas com apenas um ano de diferença do lançamento anterior. Dessa vez, ao contrário de "O Despertar da Força", não se trata de um novo episódio da saga: "Rogue One: Uma História Star Wars" é o primeiro spin-off feito para a telona, com foco em outra história e novos protagonistas, ao mesmo tempo que se liga à trama principal de alguma forma. Um longa que me deixou com certo receio quando foi anunciado, pois na minha concepção não precisava existir, mas que me fez mudar de ideia com os primeiros materiais divulgados, de modo que só pensei "bom, já que estão fazendo, espero que seja bom". E como estou feliz por minhas expectativas mais uma vez terem sido correspondidas e até mesmo superadas.

Embora já tenha escrito minha breve crítica anteriormente, "Rogue One" tem muitos aspectos a se analisar, os quais são impossíveis de se abordar em apenas um mero parágrafo. E é por isso que esse texto existe. Mais uma vez vindo cumprir meu papel como fã, apreciador da sétima arte e pseudo-aspirante a escritor, cá estou eu para destrinchar o longa, desde o mais básico aos detalhes mais complexos que fazem do filme o que ele é.

E fica o aviso: ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS. Assim, se você ainda não foi assistir ao longa, em primeiro lugar repense sua vida, depois vá ao cinema para vê-lo e só aí volte aqui para continuar lendo essa análise. Não quero ser a pessoa que vai estragar sua experiência, então novamente: EVITE OS SPOILERS.

ANTES DE TUDO, O QUE É "ROGUE ONE: UMA HISTÓRIA STAR WARS"?

Para responder essa pergunta, devemos voltar ao primeiro Star Wars, "Episódio IV - Uma Nova Esperança", e ler seu letreiro de abertura:



Essa é a premissa básica de "Rogue One: Uma História Star Wars": contar a história desse grupo de rebeldes que conseguiu sua primeira vitória contra o Império Galático ao roubar os planos de sua arma derradeira, a Estrela da Morte, uma estação espacial com poder o suficiente para destruir um planeta inteiro. Ou seja, ele é um prelúdio direto ao primeiro instalamento da franquia.

A grande diferença é que o filme é um capítulo único na saga, sem foco nos Skywalker e sem necessidade de continuações, mas que apresenta novos protagonistas, novos conceitos e uma trama que se inicia e se encerra em suas 2:14h de duração. É por isso que esse não é um "Episódio", mas "Uma História Star Wars".

"MAKE TEN MAN FEEL LIKE A HUNDRED"


Já que "Rogue One" é um spin-off, uma nova abordagem à franquia foi feita pelo diretor e roteiristas. Desse modo, os Jedi e a Força são deixados um pouco de lado (mas não esquecidos), a estrutura clássica da jornada do herói e toda a aventura que a cerca é jogada para escanteio, e o filme trata de um elemento que, ironicamente, não é o principal de Star Wars: a guerra. Aqui, vemos soldados fazendo o possível e o impossível para cumprir seus objetivos, mesmo que isso custe-lhes as próprias vidas. Tudo em nome da causa, do bem maior que eles procuram alcançar.

Um dos maiores triunfos do longa é justamente o modo em como ele dá dimensão ao conflito entre Rebeldes e o Império. A vida não era fácil na Galáxia Muito Distante naquela época, e aqui podemos conferir de perto a opressão imperial aos civis em vários planetas, com inspeções agressivas aos cidadãos e patrulhas armadas de Stormtroopers circulando em plena luz do dia, configurando um Estado de Exceção nos moldes que bem conhecemos. Também podemos observar a diferença do poderio bélico entre os dois lados, algo que já era claro na trilogia clássica, mas que aqui fica ainda mais evidente: o Império dispõe de muito mais tropas, armas e veículos a sua disposição, sendo praticamente um milagre o resultado da ofensiva da Aliança, mesmo com as inúmeras baixas que ocorreram.

Ao mesmo tempo, "Rogue One" explora um lado mais sujo da Rebelião. Embora sempre retratados como o lado bom da história, não dá para se manter 100% íntegro quando se trata de guerra. Por isso, vemos no filme comandantes que nem sempre seguem estritamente as ordens de seus superiores e passam outras instruções para seus subordinados, os quais tem que sujar as mãos para se manterem em jogo e honrarem os objetivos pelos quais lutam. Ainda conhecemos uma facção rebelde mais radical e não relacionada à Aliança, a qual possui membros que operam como verdadeiros jihadistas (inclusive nas vestes) e que é liderada pelo extremista Saw Gerrera, personagem de Forrest Whitaker. A destruição causada pelo grupo na Cidade de Jedha não poupa nada nem ninguém à sua frente, fazendo muitos danos às tropas do Império, mas ao mesmo tempo deixando seu rastro de vítimas civis.

O acerto da abordagem de "R1", ainda, é claramente sentido nas cenas de ação. O longa foge em boa parte do tempo das já conhecidas grandiloquentes batalhas pelas quais a franquia é conhecida, focando em sequências de infiltração e tiroteios de menor dimensão envolvendo apenas o grupo, o que em muitos momentos me lembrou os games de "Metal Gear Solid", especialmente o trecho que se passa em Eadu, planeta onde Galen Erso se encontra. Quando é hora de um confronto em grandes proporções, porém, o filme entrega, e da melhor maneira possível. A Batalha de Scarif é um dos maiores momentos de toda a saga, deixando no chinelo qualquer batalha da trilogia prequel e se equiparando às batalhas de Hoth e Endor, dois dos mais emblemáticos enfrentamentos da história do cinema e os mais queridos pelos fãs de Star Wars.

E como não poderia deixar de ser, para se mostrar guerra como ela é, poucos personagens devem ser poupados, e realmente há muitas baixas ao decorrer do filme. É aí que reside, em um tempo de tantas franquias com intermináveis sequências, a maior coragem dessa obra cinematográfica: em matar todos os personagens aos quais somos apresentados.

"NÓS, QUE ESTAMOS PRESTES A MORRER, O SAUDAMOS"


"Rogue One: Uma História Star Wars" traz um elenco que prima pela diversidade. Com uma mulher como principal protagonista, coadjuvantes latinos, asiáticos, negros e muçulmanos, ficou clara a mensagem que Kathleen Kennedy, presidente da Lucasfilm, quis passar a Hollywood. E ficou claro também que qualquer pessoa pode lutar pela Aliança Rebelde, sem discriminação.

No decorrer da trama, somos apresentados a esses personagens como Jyn Erso, a garota errante cercada de tragédias a sua volta; Cassian Andor, o rebelde de moral questionável que está envolvido com essa luta desde criança; Chirrut Îmwe, o monge cego protetor dos cristais kyber e do que restou do culto à Força, e seu parceiro mercenário Baze Malbus; Bodhi Rook, o piloto do Império que resolveu trocar de lado; e o robô K-2SO, antiga propriedade imperial que teve suas funções reprogramadas. Ainda temos o extremista Saw Gerrera, responsável por boa parte da pessoa que Jyn é; Galen Erso, pai de Jyn; e o Diretor Krennic, o supervisor da construção da Estrela da Morte.

Construídos de forma satisfatória conforme seus papéis, cada um desses novos protagonistas consegue causar empatia ao espectador, não sendo meros artifícios de roteiro para se chegar a um determinado fim. Não há como não se solidarizar com a dramática história de Jyn ou os antecedentes de Cassian, ou não simpatizar com o carisma de Chirrut (ou o modo como o personagem do lendário Donnie Yen luta) e até mesmo o humor e humanidade de K-2SO.

É por isso que a morte de cada um deles funciona: o público é cativado pelo grupo e se deixa abater por suas perdas. Essa é, no fim, a história sobre os heróis esquecidos de Star Wars.

Claro, porém, que eu não estou me esquecendo de alguns personagens essenciais...

AH, O FAN-SERVICE...


Um dos pontos mais comentados de "Rogue One: Uma História Star Wars" tem sido a quantidade de referências que a obra possui. E, de fato, o filme é um festival de easter eggs: temos o leite azul logo nos primeiros momentos de tela, os criminosos que aparecem em "Uma Nova Esperança" na Cantina de Mos Eisley, o "Holochess" (o xadrez holográfico da Millenium Falcon), rostos familiares como Mon Mothma e Bail Organa, falas que mencionam os então vindouros eventos do "Episódio IV", o clássico "I have a bad feeling about this", rápidas aparições de C-3PO e R2-D2 na histórica base de Yavin IV, e, claro, duas participações de Darth Vader para levar os fãs a delírio, especialmente a última.

Dois fan-services merecem mais destaque, porém. O primeiro deles é a recriação digital de dois personagens clássicos da trilogia original: Grand Moff Tarkin e Princesa Leia. Enquanto a última só aparece na última cena do longa, o primeiro tem uma participação ativa na trama. E é de arrepiar, pois Peter Cushing, que interpretou Tarkin no primeiro filme da franquia, já está morto há mais de 20 anos, mas está ali, contracenando com o Diretor Krennic com toda sua imposição e arrogância, perfeitamente refeito em um impressionante CGI. O mesmo vale para Leia: é como se Carrie Fisher não houvesse envelhecido um dia. Um trabalho sem igual da Industrial Light and Magic, de arrancar lágrimas dos mais fanáticos.

O outro fan-service que se sobressai, mas que menos pessoas souberam ou notaram, foi o uso de cenas excluídas do primeiro Star Wars em sequências da película. Como confirmado recentemente, o diretor Gareth Edwards vasculhou as filmagens do clássico de 1977 que não chegaram ao corte final e, após tratamento digital, as incluiu em "R1". As cenas em questão são todas aquelas que mostram os pilotos da Aliança Rebelde nas ofensivas espaciais durante a Batalha de Scarif. Então, se você estranhou aqueles caras com o visual que muito remetia à década de 1970, é porque eles realmente eram daquela época.

Todos esses detalhes deixam clara a devoção de Edwards pela franquia e como ele quis preparar algo legal para os fãs, ao mesmo tempo que não deixou de lado a qualidade do filme e ainda o fez ser uma ótima experiência mesmo para aqueles que não conhecem tanto a saga.

"MÚSICA POR JOHN WIL--" QUEM É MICHAEL GIACCHINO?


Todos sabemos a importância da trilha sonora em um Star Wars. A saga marcou a história do cinema com alguns dos mais belos e icônicos temas já feitos, como os clássicos "Imperial March" e o "Main Theme", passando pelos geniais "The Asteroid Field" e "Han Solo and The Princess", os marcantes "Duel of the Fates" e "Battle of the Heroes", e até mesmo os recentes "Rey's Theme" e "March of the Resistance". Todas essas composições saíram da genial mente de John Williams, premiado compositor responsável por boa parte das melhores trilhas de filmes dos últimos 50 anos, e que sempre ocupou a titularidade do posto nos 7 filmes da criação de George Lucas.

Mas "Rogue One", mais uma vez, segue um caminho diferente. Inicialmente sobre responsabilidade de Alexandre Desplat, que abandonou o projeto por conflitos de agenda, ficou com Michael Giacchino a tarefa de assumir uma posição dessa magnitude e compor uma trilha sonora digna de Star Wars. Giacchino não é um iniciante, sendo responsável pela música de "Os Incríveis", "Planeta dos Macacos: O Conflito", "Divertida Mente", "Zootopia", "Doutor Estranho" e dos três últimos "Star Trek". Essa também não é a primeira vez que ele tem que honrar John Williams, pois também foi o compositor dos temas de "Jurassic World", sendo muito elogiado à época.

Já elogiei Michael Giacchino algumas vezes, especialmente nesse ano, e mais uma vez reitero seu talento e a qualidade de suas composições. A trilha de "Rogue One: Uma História Star Wars" marca com temas como "A Long Ride Ahead", "Jedha Arrival", "Rogue One" e "Jyn Erso & Hope Suite", dando ênfase o clima das cenas do longa e ainda homenageando muitas das clássicas músicas da franquia. Um trabalho impecável, de deixar John Williams orgulhoso.

O SUCESSO DO FILME E O FUTURO


"Rogue One" já é um sucesso: apenas em seu primeiro final de semana, a obra já fez mais de $ 290 milhões mundialmente, tornando-se a segunda maior estreia do mês de dezembro (atrás apenas de "O Despertar da Força"). A crítica aclamou o filme, muitas vezes indo um pouco além da conta (gente, "R1" é excelente, mas "melhor filme de Star Wars"? "O Império Contra-Ataca" existe, lembram?), mas reconhecendo tudo o que o filme tem de melhor a oferecer. E os fãs, como era de se esperar, estão pirando, discutindo o longa avidamente e indo assisti-lo repetidas vezes.

Todo esse êxito é o indicador que a Lucasfilm precisava para guiar qual será o futuro da franquia nos cinemas. Recentemente, a presidente da companhia, Kathleen Kennedy, deu a entender que os filmes derivados podem ser o caminho a ser seguido após o fim da nova trilogia. Nesse meio tempo, já temos agendado o spin-off focado no jovem Han Solo para 2018 e rumores sobre outro, programado para 2020 e que poderia abordar Obi-Wan Kenobi, Yoda ou Boba Fett.

A ideia é boa, especialmente para não transformar Star Wars em uma espécie de Marvel. Assim, após o Episódio IX, o melhor a se fazer é de fato expandir todo esse fantástico Universo idealizado por George Lucas, explorando personagens queridos que receberam menos destaque ou até outros períodos, como os primórdios da Velha República. E se "Rogue One" nos ensinou alguma coisa, é que, nas mãos certas, os derivados podem ser tão bons quanto os principais.

O VEREDITO


Poucos filmes derivados conseguem ser algo além de meras sombras das obras originais. "Rogue One: Uma História Star Wars" consegue ser uma dessas exceções. Divertido e emocionante, o longa entrega um clima distinto do que vimos anteriormente, ao mesmo tempo que consegue manter o coração da franquia intacto. O sucesso em combinar uma verdadeira aula de fan-service com uma história única e uma diferente abordagem da "guerra nas estrelas" faz dessa uma experiência que já reside nos corações dos fãs e que ainda tem a capacidade de alcançar os menos aventurados na Galáxia Muito Distante.

Reitero: a coisa mais linda que vi nos cinemas em 2016. E que venham os próximos spin-offs!

FICHA TÉCNICA

"ROGUE ONE: UMA HISTÓRIA STAR WARS" ("ROGUE ONE"), EUA, 2016
Um filme da LUCASFILM LTDA.
DIRETOR: Gareth Edwards
PRODUZIDO POR: Kathleen Kennedy, Gareth Edwards, Simon Emanuel, Kiri Hart, John Swartz, Susan Towner e outros
ESCRITO POR: Gary Whitta, John Knoll, Chris Weitz, Tony Gilroy
MÚSICA POR: Michael Giacchino
ESTRELADO POR: Felicity Jones, Diego Luna, Alan Tudyk, Donnie Yen, Wen Jiang, Riz Ahmed, Forrest Whitaker, Ben Mendelsohn e Mads Mikkelsen.

TRAILER:



TRILHA SONORA: