quarta-feira, 21 de novembro de 2018

[RESENHA] "Bohemian Rhapsody" (2018)



Há anos que já vinha se falando sobre um filme sobre a história do Queen com enfoque em Freddie Mercury. Inicialmente, o projeto foi anunciado com Sacha Baron Cohen (Borat, Bruno, O Ditador) como intérprete do vocalista, algo que nunca foi para frente e acabou por deixar o papel sob o encargo de Rami Malek, conhecido especialmente por protagonizar a série Mr. Robot. Mas mesmo após escalados os atores que viveriam Brian May, Roger Taylor, John Deacon e Mary Austen (Gwilyn Lee, Ben Hardy, Joe Mazzello e Lucy Boynton, respectivamente) e com a maior parte do longa já gravado, o diretor Bryan Singer misteriosamente "se afastou" da produção sem muitas explicações. Foi uma estrada tortuosa, mas Bohemian Rhapsody teve as adversidades deixadas para trás e chegou aos cinemas no último dia 1º de novembro no Brasil (2 do mesmo mês para o resto do mundo) com um resultado agradável, apesar de algumas incongruências.

O roteiro trabalha a relação de Mercury com sua família, com os outros membros do grupo e com Mary Austin, além da descoberta de sua homossexualidade. E tudo isso funciona para propósitos narrativos, estruturando o filme de forma sólida e servindo a seu objetivo de cativar o público com a trajetória de uma das maiores vozes que já passaram por este mundo. Entretanto, diversas liberdades foram tomadas, mudando a ordem e a data de muitos fatos para o funcionamento da trama como planejado pela produção. Na maioria dos casos, são pormenores inocentes (como a passagem da banda pelo Brasil, que é retratada como sendo em algum momento entre 1977 e 1979, mas só veio a ocorrer de fato em 1981 pela primeira vez, enquanto o histórico show no Rock In Rio só aconteceu em 1985), quando não exagerados (a cena de Freddie tocando a melodia de Bohemian Rhapsody enquanto deitado com Mary beira o ridículo), mas distorções como a descoberta da AIDS por volta de 1985 (que na verdade se deu em 1987) desviam muito da realidade e podem confundir os menos familiarizados com a história. Além disso, momentos mais espetaculosos da vida do vocalista, como o abuso de drogas e as insanas festas dadas por ele ficam apenas implícitos no contexto das cenas que as retratam, uma decisão mercadológica para manter a classificação etária a mais baixa possível.

Ainda assim, muitos dos elementos ali mostrados possuem respaldo da realidade e são capazes de fascinar desde os mais leigos aos grandes conhecedores do Queen, especialmente no que diz respeito ao processo de composição. Ver as experimentações feitas pelo quarteto em estúdio para dar a origem a alguns de seus maiores sucessos apenas evidenciam a sua genialidade, enquanto os conflitos internos entre os membros deixam clara a realidade de qualquer banda e exploram uma faceta pouco conhecida pelo grande público. Fica a ressalva, porém, de que estes aspectos poderiam ser ainda mais ricos caso fossem mostradas algumas celebridades amigas do grupo, em especial o músico David Bowie, tão essencial para a composição de Under Pressure e participante de diversos outros importantes momentos, mas que no longa foi reduzido a apenas algumas breves menções.

Apesar destes pontos controversos quanto ao script, Bohemian Rhapsody deve muito de sua repercussão ao trabalho desenvolvido pelos atores. Mesmo no menor dos papeis, não é possível dizer que alguém esteja mal no filme, ainda mais com nomes como Aidan Gillen e Mike Myers fazendo pontuais aparições e preenchendo esta lacuna. Mas os intérpretes dos personagens principais são os grandes destaques, com caracterização, postura, modos e tiques fiéis aos dos membros da banda, seja em suas entrevistas e conversas, seja em suas apresentações nos palcos. Quem mais impressiona, no entanto, é Rami Malek, com uma performance meticulosamente estudada, dando vida a um Freddie Mercury que não deixa a dever em quase nada ao original, ficando clara a dedicação do ator em reproduzir até o menor dos trejeitos do lendário frontman, algo que se mostra explícito no vídeo que compara a apresentação do Queen no Live Aid com a reprodução no longa.

E como é de se imaginar, não há do que se reclamar da trilha sonora. As composições orquestrais de John Ottman funcionam de forma competente dentro do longa sempre que há espaço para elas. As músicas do Queen, por sua vez, embalam a grande maioria dos momentos mais memoráveis, sendo muitas vezes acompanhadas de rápidos jogos de cena retratando apresentações ou gravações em estúdio, com a melhor sendo o da própria canção-título. Foram selecionadas 20 faixas do grupo para o filme, envolvendo boa parte de seus maiores sucessos, seja de forma integral ou editada, de modo que é possível considerar o disco uma bela coletânea, especialmente por incorporar algumas versões até então inéditas no formato de áudio.

Uma adaptação ipsis literis da história do Queen para os cinemas resultaria em algo nos moldes de O Lobo de Wall Street ou Bingo, O Rei das Manhãs. Este não é o caso de Bohemian Rhapsody, não apenas por não se aprofundar nos aspectos mais pesados das vidas de seus protagonistas, mas também por tomar muitas liberdades poéticas com trajetória do grupo, ao ponto de distorcer a realidade em alguns momentos. Apesar disso, consegue acertar no retrato de muitos outros, com o auxílio do trabalho de seu elenco (em especial do impecável Rami Malek), da inteligente montagem e de uma matadora seleção musical para compor sua trilha. Não é perfeito, mas executa com competência seu trabalho de comover os adeptos de longa data e conquistar uma nova legião de fãs.

TRAILER:


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